sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Resnais, Besson e o pior filme do ano.

Amar, Beber e Cantar ()
França, 108 min, 2014
Direção: Alain Resnais
Este foi o último filme realizado por Alain Resnais antes da sua morte no início do ano. Amar, Beber e Cantar, que aqui no Brasil já é sucesso garantido entre senhoras que frequentam os cineplexes, mostra a vitalidade e comicidade do diretor que, mesmo com mais de 90 anos, possuíra brutal sensibilidade ao usar a velha forma de fazer comédia francesa para encontrar na dinâmica do surrealismo o porquê de sua eterna apreciação pela vida -e o Cinema.


Lucy (★★★★)
França, 89 min, 2014
Direção : Luc Besson
Diretor tão megalomaníaco quanto interessante, Luc Besson sempre foi um entusiasta do cinema hollywoodiano, não sendo a toa que boa parte da sua obra é um resquício de algum blockbuster ou clássico americano. Quase um pastiche de si mesmo, em Lucy, o diretor assume sua forma mais vital e promíscua de cultor do frenesi da imagem. Com dosagens milimétricas de muito bom gosto, o sci fi bad ass action figure -estrelado justamente por Scarlett Johansson- coloca em evidência a maturidade do diretor que, para além de um eterno cinéfilo estasiado, se tornou um visionário nato da parafernália que (des)constrói essa coisa insana que chamamos de imagem cinematográfica.


Estados Unidos, 89 min, 2014
Direção: Steven Quale
Eu confesso que estava bem curioso pra ver o resultado disso aqui. Primeiro porque eu sempre gostei de filmes catástrofes, e segundo que Quale foi apadrinhado por James Cameron, que querendo ou não, é ainda um dos maiores diretores de ação de Hollywood. No entanto, a experiência de experimentar um filme como No Olho do Tornado é completamente indiferente, já que Quale está mais preocupado em dramatizar a vida pouco interessante de um núcleo tipicamente americano, nos mais grotescos diálogos e momentos, sem qualquer controle sobre o entretenimento. Filme que mais soa como uma propaganda republicana, onde o núcleo familiar americano sempre prosperará, No Olho do Tornado é também um dos piores exemplos do velho ditado que diz “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.


segunda-feira, 11 de agosto de 2014

[Crítica] The Rover - A Caçada



Não lembro ao certo quando/qual fora meu primeiro contato com o thriller movie. Talvez David Fincher tenha sido o diretor que me apresentou tal estilo de Cinema. Seven e, depois, Clube da Luta são às referências que me vem à cabeça quando penso na minha iniciação cinéfila. E foram tais experiências responsáveis pelo meu confronto com o Cinema (do que apenas a experiência de assistir a um bom filme) até então. Aliás, é curioso lembrar de Seven após uma sessão como a de The Rover, porque mesmo com premissas bastante distintas, ambos compartilham dum mesmo sentimento da problemática do homem à mercê de si próprio; além duma verossimilhança estética autoral dentro de seus universos interpessoais. 



“Fear the man with nothing left to lose”, é a frase estampada no cartaz do filme de David Michôd.  Facilmente poderíamos remetê-la a qualquer thriller de ação protagonizado por Jason Statham, entretanto, no imaginário de Michôd o sentido está para além de uma verborragia de efeito comercial. Estamos, de fato, diante de um filme que teme a condição de seu protagonista -e não ele. A fábula em forma de antítese climática do (sub)gênero post-apocalyptic, num futuro distópico à lá Mad Max geografado no outback australiano, funciona como um estudo visual como parte de uma narrativa (des)propositalmente disfuncional de um (anti)herói marcado pela resistência a anomia e ao retrocesso da civilização. Resistência, essa, por que no microcosmo da trama não existe espaço para a moral ou reflexão dela. Dez anos se passaram naquela geografia, e não existe explicação para o que ali se sucedeu (talvez, até, porque não exista, para Michôd, um sentido para a violência intrínseca ao homem). Não há um Estado. A posição da mulher nessa sociedade é omissa; e se ela se encontra ali é apenas como um reflexo simbólico à desumanização do homem. O rosto de Guy Pearce é uma cápsula de sentimentos reprimidos, e a violência que ele toma como senso elusivo da sobreposição do opressor vs oprimido, mais forte vs mais fraco, serve tanto como um retrato da dilaceração da convivência em sociedade, quanto um olhar pulsante para a individualidade do homem nesse mesmo contexto. 



Ao assumir a violência como forma subversiva daquele mesmo discurso d’O Estranho sem Nome, de Eastwood (e aí a visão de The Rover como um western pós-moderno/futurístico), qual propunha um efeito narrativo catártico sob a violência explícita do rosto enigmático de seu protagonista, ainda que menos inteligível na estrutura narrativa que o clássico de Eastwood, Michôd e Pearce, assim como Pattinson (que assume a missão da persona do road movie que desestabiliza o emocional do herói incompreendido), desmistificam o consenso da imagem didática ao pôr em primeiro plano uma trama que sugere ao espectador um campo cinematográfico convencional, ao mesmo tempo que o confronta com a hostilidade da dissolução visual e o transforma em arquétipo do jogo de cena fragmentado ao tempo daqueles personagens tão poderosamente personificados.

The Rover - A Caçada (1/2) 
Austrália/Estados Unidos, 2014, 103 min.
De David Michôd
Com Guy Pearce, Robert Pattinson, Scoot McNairy

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Um Hitchcock subestimado...


Infelizmente, ainda não tive a oportunidade de ler Hitchcock/Truffaut, livro quais muitos acreditam ser a bíblia do Cinema. Também, comecei há pouco tempo minha tour pela cinematografia de Alfred Hitchcock. Mesmo assim, com 9 filmes inclusos na minha lista, já pude notar quais eram suas preferências e como funcionava um pouco da mente do eterno mestre do suspense. Finalizando minha maratona pelos anos 40, tive a sorte de ver Sob o Signo de Capricórnio (tradução, essa, que não condiz nada com o título original do filme – que se refere ao trópico). Fracasso na época e renegado pelo próprio Hitchcock em entrevista à Truffaut, o filme (que é o último de Hitchcock ao lado de Ingrid Bergman) é talvez um dos mais subestimados do diretor.  




Ambientado no século XIX, e aparentemente uma obra utópica à cinematografia de Hitchcock, ao longo dos mesmos planos prolongados que o diretor experimentara na obra prima Festim Diabólico, somos introduzidos ao universo típico da cobiça humana – e da ironia hitchcockiana -, caracterizado por uma atmosfera clássica dos filmes de época lançados até então. Produção bastante meticulosa seja pelas cores saturadas ou pela fotografia que não nega a atmosfera romântica, o melodrama orquestrado por Hitchcock aqui é na verdade um veículo subversivo qual ele utiliza para desmitificar a trama de um triângulo amoroso. Bergman é uma mulher marcada pela culpa, e (des)fragmentada no tempo, que descobre na chegada de um conterrâneo (Michael Wilding) uma espécie de fuga da geografia qual agora é escrava. Seu marido, interpretado delicadamente por Joseph Cotten, é um ex-condenado que luta para a relação entre os dois ainda ter um sentido. Através do escopo desta aparentemente familiar narrativa, Hitchcock refina a técnica usada em Festim Diabólico, que ao contrário deste, tinha o propósito de sufocar os personagens dentro do quadro. Em Sob o Signo, a intenção está justamente na fluidez dos atores por entre os sumptuosos cenários, permitindo à narrativa e os personagens (des)construirem seus ideais e a moral da trama, diversas vezes, deixando o espectador à mercê das facanhas do diretor.



Por ser um filme não habitual de Hitchcock, talvez as expectativas do espectador não sejam completamente preenchidas, mas é interessante como toda a construção de Sob o Signo surge duma intenção e ironia bastante hitchcockianas. O desdém curioso para com a contracultura da época, além dum estudo muito mais complexo na superfície da trama sobre os primórdios das colonizações, e a submissão à riqueza e crueldade do ego ferido, Hitchcock confronta aqui o ser humano em sua forma mais obscura (e mais frágil).
Inglaterra, 1949, 119 min. 
De Alfred Hitchcock 
Com Ingrid Bergman, Michael Wilding, Joseph Cotten