quinta-feira, 28 de novembro de 2013

[Crítica] Jogos Vorazes: Em Chamas


Vendido desde o início como sucessor (de qualidade) de Harry Potter, numa desnecessária e incompreensível tentativa de autopromoção, Jogos Vorazes, em seu primeiro ato, acabou por surpreender público e crítica, tornando a saga de Suzanne Collins uma febre mundial. Comandado por Gary Ross, a estréia de Jogos Vorazes nas telonas teve o aval imediato dos fãs e até mesmo o reconhecimento notório dos menos empolgados com sagas adolescentes. Deixando as beiradas prontas para uma seqüência, Ross tratou de utilizar das intenções da saga de forma bastante peculiar, expressando sua visão através do virtuosismo estético na construção dos planos e, principalmente, na exploração da câmera trêmula, observando as ações da heroína Katniss Everdeen - já iconizada pela personificação de Jennifer Lawrence.

O frisson gerado por elenco e filme foi tamanho, que a continuação da saga acabou sendo brindada com uns milhões de dólares a mais em seu orçamento, além de ter sua direção assumida por ninguém menos que Francis Lawrence (do ótimo Eu Sou A Lenda), visando claramente manter a assinatura de competência do estúdio. Conhecido por conduzir seus filmes como cartões postais, rigorosamente artísticos e de bom gosto, sem muito aprecio por diálogos verborrágicos, Lawrence estreou Em Chamas em grande estilo, já colecionando recorde mundial em bilheteria. Tentando traduzir os ideais políticos sem se abater muito pelo discurso (ou pela falta de liberdade), o diretor procurou manter-se fiel ao seu estilo e a adaptação (da superfície) do livro, o que por muito já faz de Em Chamas um filme além da média, porém que limita demasiadamente o potencial narrativo da trama e do realizador, deixando a sensação de algo além do apogeu oferecido. Ainda que as camadas de tensão sejam construídas de forma gradual, a se preencher com a atmosfera anêmica -e silenciosa- do cinema de Lawrence, que definem muito bem as sensações da protagonista, o compasso da ação subvertida e pontuada, adjunta ao desfecho de filme B, dão à impressão de que as intenções da trama sobressaem as de Katniss. Toda a vulnerabilidade da personagem quanto ao inferno astral que vivencia, e a transição amorosa do coming of age, acabam servindo apenas de subtramas pras elipses do que ainda está por vir.


Nem tanto pelo fato do que fica vago ou do que é explorado bruscamente pela edição e montagem, já que são compreensíveis as imperfeições de uma saga como Em Chamas, o que decepciona na realização de Francis Lawrence é a ideia de cinema de distanciamento; que se por um lado ajuda os coadjuvantes a sustentar seus personagens sem perder o charme e enfatiza o desenho estético do filme (que realmente é impecável), por outro expõe os conflitos de maneira bastante dimensional (longe de direcionar a intenção de um filme unidimensional como Em Chamas) e ainda coloca o diretor numa posição suscetivelmente impessoal em relação ao filme.

Jogos Vorazes: Em Chamas (★★★1/2) 
Estados Unidos, 2013, 146 min 
De Francis Lawrence 
Com Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Woody Harrelson, Donald Sutherland, Stanley Tucci, Sam Claflin






sexta-feira, 8 de novembro de 2013

[Crítica] M.I.A - Matangi


Não fosse o lançamento do /\/\/\Y/\, lá em meados de 2010, seria bastante cômico um disco como o Matagi surgir na discografia de M.I.A. Cômico, pois aos 38 anos a cantora ainda vem tentando firmar uma imagem (ou na verdade ela está brincando com sua própria imagem?) que desenvolvera ao longo de sua carreira –e que para a mídia musical se perdera no lançamento de Paper Planes- adjunto ao prestígio adquirido (com a mesma). De todo modo, Matangi, seu quarto álbum de estúdio, tem muito mais a dizer sobre M.I.A, não só por reverenciar seu nome, do que necessariamente sobre sua música ou seu estilo.

Em uma ótima entrevista a Pitchfork, a cantora revelou que suas referências iam além do que se ouve atualmente na indústria (mainstream). Além de ser seu nome, Mantangi se refere, também, a deusa da música. Por mais equivocada que sua declaração tenha sido, é curioso observar que toda a estrutura do Matangi surge justamente da plasticidade nata desse cenário (“if we’re gonna live once, why we keep doing the same shit?” – Y.A.L.A), e ao passo que a rapper se utiliza desses elementos (pop) para a construção autoral -e irônica- de seu estilo, como conseqüência, o disco adquire certas camadas (Come Walk With Me/Bring The Noize), que aos poucos se tornam a matriz do argumento levantado por M.I.A. E é as custas dos questionamentos sobre a flexibilidade dessas camadas (que na verdade se referem bem mais as declarações contraditórias da artista) que Mantangi se torna um álbum ímpar na discografia de M.I.A, principalmente, por ser igualmente fascinante e redundante. Ao contrário do que fora experimentado no incompreendido (e brilhante) /\/\/\Y/\, que possuía em todo o conceito pós globalizado uma acidez genuína, Matangi, apesar de ser concebido na sombra de seu antecessor, é bem mais um manifesto de M.I.A (Boom Skit) em relação a sua carreira e suas origens –compreendidos nos nuances de arabic pop e worldbeat em contraste as batidas recicladas do Kala e do Arular- do que uma crítica a indústria, ou uma extensão de seu ativismo popular (daí a ideia de que o disco possua uma áurea “espiritual”, como a própria disse em entrevista); que apesar de constituírem boa parte da arquitetura do disco, já não são mais a base para o discurso agressivo de M.I.A.



Ainda que Matangi possivelmente seja visto como um disco saturado e contraditório dentro da linhagem peculiar da construção imagética/estética de M.I.A -em função de sua (frágil) rebeldia-, não há como negar que, ao extrair de batidas eletrônicas acentuada densidade (Exodus/Know It Ain’t Right) -em grande parte à compilação distópica de elementos-, M.I.A, no ápice de sua genialidade, consegue captar toda a agressividade das canções num ensaio lírico que difere Matangi de seus outros trabalhos justamente por assumir essa posição polarizada. Como extensão daquilo que seu discurso aponta com convicção, Matangi é, em toda a difusão de gêneros e harmonização de batidas, um disco completamente maduro, não apenas pelo fato de M.I.A orquestrá-lo em auto-referência (“if you gonna be me, you need a manifesto”), mas por não distanciar suas inspirações das estratégias formulísticas de sua visão crítica, mantendo crível a honestidade sonora de sempre.

M.I.A - Matangi (★★★★) 
N.E.E.T Recordings/Interscope, Estados Unidos, 2013




quinta-feira, 7 de novembro de 2013

[Crítica] Capitão Phillips


"Andrea Phillips: Ok. Você está bem?

Capitão Richard Phillips: Sim.
Andrea Phillips: Você pensa que essas viagens se tornam mais fáceis, mas é totalmente o contrário.
Capitão Richard Phillips: Bem, me sinto da mesma forma.
Andrea Phillips: Eu sei que é isso que nós fazemos, esta é nossa vida. Mas parece que o mundo está se movendo tão depressa, tudo está mudando tanto.
Capitão Richard Phillips: Está mesmo. Vou te contar algo, não vai ser fácil para os nossos filhos. Eles estão crescendo em um mundo completamente diferente daquele que nós fomos criados.
Andrea Phillips: Pois é.
Capitão Richard Phillips: Sabe, nossos dois filhos estão se dando muito bem, mas eu me preocupo com Danny não levando a escola a sério. Eu odeio o ver perdendo aulas, pois quando ele crescer isso pode ser um problema na procura de trabalho, sabe? A competição lá fora. Quando eu comecei tudo era mais fácil se você se esforçasse e fizesse seu trabalho. Mas para os jovens de agora, as empresas querem algo rápido e barato. Cinquenta garotos competem pela mesma vaga. Tudo está tão diferente, girando rápido. Você precisa ser forte pra sobreviver a isso tudo.
Andrea Phillips: Eu entendo o que você quer dizer. Vai ficar tudo bem, não é?
Capitão Richard Phillips: Com certeza. Tudo vai ficar bem.
Andrea Phillips: Eu amo você.
Capitão Richard Phillips: Eu amo você também.
Andrea Phillips: Tenha uma viagem segura.
Capitão Phillips: Eu te ligo quando chegar."

É basicamente na análise desse breve e apreensivo diálogo estabelecido por Tom Hanks e Catherine Keener nos primeiros instantes de Capitão Phillips que Paul Greengrass constrói a tensão documental de um sequestro que argumenta além da crueza iminente do universo capitalista. Orquestrado com tremenda maestria, em âmbito a que as possibilidades dum exercício autodidata têm a oferecer, Capitão Phillips é exposto ao espectador a fim de permutar as camadas humanas através da agressividade impressionista do cinema do diretor.

Divido em dois atos que compreende a tênue do estilo -e da mão demasiadamente pesada de suspense-, o longa explora a mise en scène em função de um estudo que estabelece o espectador como parte dos acontecimentos ali documentados, colocando-o à mercê da personificação mítica de Tom Hanks e de sua consequente (des) construção heroica em cena. Não fugindo muito daquilo que já fora experimentado por Greengrass lá em O Ultimato Bourne e, principalmente, em O Vôo United 93, Capitão Phillips retoma as ideias do cinema documental em função de extrair dos personagens uma atmosfera realista, que capta toda a tensão do homem como objeto da ação subvertida de diálogos retos, definindo a intenção da imagem e dos fatos conseqüentes da trama, independente de sua previsibilidade. Por de trás das camadas estéticas, e dum emaranhado de elementos básicos de suspense, Greengrass esconde uma faceta melodramática que é compreendida justamente na utilização do homem e sua luta por sobrevivência como matriz de seu cinema. A agressividade introspectiva, nítida nos cortes bruscos e nos planos trêmulos, quase como uma narrativa a parte do filme, confundida muita vezes como frieza calculada, caracteriza, na verdade, a harmonia de sentimentos entre o homem e o cinema, explorada em Capitão Phillips pela personificação inquieta e pelos olhos preocupados de Tom Hanks (em perfeita representação do homem -de família- americano).


Ainda que acometido pelo equívoco da autoafirmação do diretor (que pra mim já havia sido confirmado lá em O Ultimato Bourne), a perspectiva da relação dicotômica do homem e o meio -independente da moral e dos maniqueísmos sociais- transforma os impulsos desses sistemas (de cinema) de Greengrass em conceito àquilo que a nova geração de cineastas vem absorvendo de fórmulas que se utilizam de arquétipos utópicos, esquecendo que a harmonia de uma trama se encontra especificamente no diálogo entre o homem e o cinema. Para além do espetáculo -visual e sonoro- que Greengrass nos proporciona em Capitão Phillips, há nas beiradas uma preocupação em legitimar o cinema não apenas como arte, mas como força vital aos processos de transição do homem e da natureza.

Capitão Phillips (★★★★) 
Estados Unidos, 2013, 134 min
De Paul Greengrass
Com Tom Hanks, Barkhad Abdi, Catherine Keener, Barkhad Abdirahman, Max Martini
-Visto no UCI Palladium - Curitiba, em digital, como convidado da Espaço-Z. 



quarta-feira, 6 de novembro de 2013

[Crítica] Amor Bandido


Desde sua estreia com Shotgun Stories (2007) Jeff Nichols vem captando os olhares para o desenvolvimento narrativo autoral e dinâmico de seus filmes. Acometidos sempre pela tenuidade típica do cinema independente dos Estados Unidos, os filmes do diretor se sobressaem essencialmente pela captura de imagens com tonalidades delicadas e praticamente de olhar clínico das fábulas interioranas por ele concretizadas. Seu novo longa, Amor Bandido (tradução constrangedora para Mud), chega finalmente ao país, depois de rodar festivais e quase ser esquecido no circuito nacional, colocando Nichols em evidência ao tratar com brutal maestria uma das temáticas mais exploradas pelo cinema alternativo, o coming of age, que nas mãos do diretor encontra uma nova roupagem num estudo peculiar e de abrangência, tratado com distinta e emocionante honestidade.

Partindo de uma construção autobiográfica, em referência as frustrações juvenis do próprio diretor, Amor Bandido narra à história de dois amigos, Ellis (Tye Sheridan) e Neckbone (Jacob Lofland), que sobrevivem à pacata vida interiorana procurando aventura em lugares isolados da pequena comunidade em que vivem. Numa viajem a uma pequena ilha ao redor do rio Mississippi eles encontram um barco preso a uma árvore em meio à floresta, provavelmente, preso em função de uma enchente, o qual logo resolvem tornar de sua posse. Ao adentrar o que se assemelha a uma típica casa na árvore, os dois notam que alguém está vivendo ali, quando, então, um homem misterioso se aproxima. Mud (Matthew McConaughey, em outra performance impecável), o tal homem, se apresenta aos garotos, revelando que cresceu ao redor dali. Percebendo a ingenuidade dos jovens e sua intenção quanto ao barco, Mud vê a oportunidade de oferecê-lo em troca de comida (e um pouco de companhia também). Não demora muito para que Ellis -que na verdade se utiliza das aventuras junto do amigo como uma válvula de escape dos problemas familiares e da difícil fase de transição a qual vem em silêncio passando- seja envolvido pela trama de Mud, cuja figura se torna um espelho, tanto pelas histórias fora da lei que o estranho homem lhe conta, quanto por sua relação amorosa com uma bela mulher de nome Juniper (Reese Whiterspoon). Ao passo que, a partir da curiosidade de Ellis, a história se desenvolve numa dinâmica entre o coming of age, o romance e o crime, é interessante ver como a construção do suspense nessa atmosfera interiorana, semelhante a um western contemporâneo (sofisticado), ganha plenitude no tratamento sutil de Nichols, que se utiliza da inocência como moral para a mitificação do amor e das barreiras criadas pelo homem; contraste dado -principalmente- nos planos e contra planos de Tye Sheridan ao lado de Matthew McConaughey.



Se lá em O Abrigo (2011) a iminência da loucura do homem era o plano central na desenvoltura estética do cinema de Nichols, que se fazia justamente na construção imagética dos anseios psicológicos de Michael Shannon, em Amor Bandido, antes de qualquer coisa, há uma preocupação em manter a alma do filme intacta de qualquer experimento que se realize das possibilidades do campo/contra campo cinematográfico. E essa posição a qual Nichols se coloca para explorar suas intenções nos mínimos detalhes se assemelha muito a proposta de Martin Scorsese em Hugo, não sendo a toa que o culto comercial de seus filmes tenha sido potencializado aqui. Dos códigos narrativos ao brilhante trabalho realizado junto ao elenco, esse cinema de Jeff Nichols representa, em toda sua beleza, uma humilde ingenuidade que se completa a de seus personagens, derivados do espelho clássico/contemporâneo de nomes subestimados pelo cinema moderno hollywoodiano, contemplando sua autoria e mantendo-se crível a tênue ficção/realidade de (melo) dramas cotidianos. 

Amor Bandido (★★★★1/2) 
Estados Unidos, 2012, 130 min
De Jeff Nichols
Com Matthew McConaughey, Reese Witherspoon, Sam Shepard, Tye Sheridan, Michael Shannon, Jacob Lofland





sexta-feira, 1 de novembro de 2013

[Crítica] Arcade Fire - Reflektor



É curioso como a cada novo disco as expectativas geradas pelos fãs e pela blogosfera independente em torno do Arcade Fire os colocam num patamar de banda imaculada do cenário alternativo. Talvez o maior álbum da banda, talvez o menor álbum da banda, diversas são as questões levantadas quanto à validade de seu som. Todavia, o que se sabe a respeito do quarto álbum de estúdio do Arcade Fire, Reflektor, é que sua música já não pertence mais ao nicho alternativo no qual surgiu e, ao explorar a globalização generalizada de elementos sonoros no disco, eles assumem uma nova (e compreensível) faceta, que já vinha sendo moldada desde seu antecessor, The Suburbs. 

Reflektor é divido em dois atos. No primeiro ato, a banda retoma ideias anteriores de seus álbuns (especialmente o Funeral, de 2004) para mesclar elementos do indie rock da banda com sons atuais da música (eletro) pop, mesmo que, em boa parte, utilize-se de referenciais dos anos 80 (David Bowie, que participa da faixa título, talvez seja a maior influência aqui) para manter a linha vintage e sofisticada da estética de seu som. Já em seu segundo momento, o disco propõe-se a explorar uma versatilidade um pouco mais dinâmica dos (des) encontros vocais de Régine Chassagne e Win Butler, que continuam a brincar com seu relacionamento off stage nas canções, mas sempre intensificando o potencial sonoro do disco, visto, principalmente, em faixas melodramáticas (Afterlife / Supersymmetry), ou na brincadeira estética das vertigens do neo noir numa balada romântica marginal (Porno). 


Sendo o disco um estudo das possibilidades que o sucesso crítico e de público trouxeram para a banda, a busca realizada pelo Arcade Fire em Reflektor se concentra em desmistificar o suposto virtuosismo pragmático no qual eles se conceberam. E para além das influências ou das simbologias subvertidas em (muitas de) suas canções, a composição sonora aqui surge dum ideal (sonoro) próprio da indústria fonográfica, mas que, numa ousadia esperta da banda, é transformado num exercício/estudo estético em que os gêneros e subgêneros às canções compiladas são perpetuados em função de uma (auto) generalização, sem desprendê-los da essência que os fez emergir ao aclame mundial. 

Ao passo que as intenções dessa nova roupagem que a banda aderiu ganhem significado numa atmosfera contemplativa e bastante singela de canções que soam como verdadeiros hinos de uma geração (Reflektor / We Exist / It’s Never Over (Oh Orpheus)), Reflektor vem não apenas para denotar momentânea nostalgia para os fãs, mas eternizar de vez o nome da banda no cenário musical (pós globalizado), distinguindo-os justamente pelo fato de serem indefiníveis. Não há mais o que se questionar a respeito do Arcade Fire.

Arcade Fire - Reflektor (★★★★) 
Merge/Sonovox Records, Estados Unidos/Inglaterra, 2013