terça-feira, 25 de março de 2014

[Crítica] Rio 2


Desde quando ganhou notoriedade como co-diretor de A Era do Gelo, Carlos Saldanha, hoje um dos mais bem sucedidos diretores brasileiros na terra do Tio Sam, aderiu  à  indústria hollywoodiana em sua forma literal. Suas franquias, ainda que dividem opiniões, arrecadam montes de dinheiro mundo  à  fora. E foi colhendo os louros do sucesso de público e crítica de A Era do Gelo que, em meados de 2011, Saldanha resolveu arriscar o potencial de um filme com temática tupiniquim numa grande produção ianque. O resultado foi para além de satisfatório, em termos de bilheteria pelo menos, e Rio, a animação da arara azul falante que se muda para o Rio de Janeiro e conhece o amor de sua vida, trazendo a clássica idealização das comédias românticas de casais de realidades opostas, com um leve toque de conscientização ambiental, se tornara instantaneamente um marco na carreira do carioca. 



Não fugindo muito do que o primeiro longa explorara, e permeando o formato narrativo dos esquetes, eis que em pleno ano da Copa do Mundo no Brasil, Saldanha, sendo o grande oportunista que é, trás de volta às telas a continuação marqueteira (e cheia de boas intenções) para as ararinhas cantantes. Rio 2 não faz muita questão de fugir do  óbvio (a não ser pelo fato da sequência se passar agora na Amazônia!) e Saldanha usa e abusa de maneirismos pra criação de personagens involuntários, naquela velha fórmula hollywoodiana para manter a tênue sucesso-boa recepção. Diálogos quase sempre fáceis, e carregados de mensagens auto importantes são a base de diversas (sub)tramas que compilam a narrativa da continuação, que até se esforça pra se justificar crível, mas, como já havia sido provado com Rio, não possui muita sensibilidade com a causa que cultua, tampouco com a realidade que retrata. Para além dos incontáveis personagens, e números musicais esteticamente deslumbrantes, a faceta essencial do projeto de Rio/Rio 2 em relação a conscientização social e ambiental das araras (e da própria Amazônia), numa realidade pouco explorada pelo mercado cinematográfico de massa, acaba se submetendo a superficialidade pela falta de tato ou desenvolvimento sustentável dentro do universo de final feliz concebido por Saldanha. Num filme que mais parece um tutorial de como ser equivocado do que uma propaganda gratuita da Copa do Mundo, Saldanha apenas elucida o que o recente Robocop, de José Padilha, havia salientado sobre o mercado brasileiro estrangeiro e a necessidade inconspícua da boa imagem (nacional), através de um cinema (sem identidade - própria ou cultural) que nem nosso é por excelência. 

Rio 2 (★★)
Estados Unidos, 2014, 101 min.
De Carlos Saldanha
Com Rodrigo Santoro, Jesse Eisenberg, Anne Hathaway, Leslie Mann, Jamie Foxx






quinta-feira, 6 de março de 2014

[Crítica] Walt Nos Bastidores de Mary Poppins


Bastidores de filmes às vezes dão histórias tão interessantes quanto o próprio filme que realizam. Há inúmeros relatos backstage envolvendo clássicos de O Mágico de Oz a O Bebê de Rosemary, ou o próprio O Poderoso Chefão que, mesmo hoje sendo considerado um dos filmes mais importantes do Cinema, quase não saiu do papel. Alguns casos são tão instigantes que ganham as telas em forma documental, como Room 237, que explora teorias envolvendo O Iluminado de Stanley Kubrick, ou em forma de melodrama, como acontece em Walt Nos Bastidores de Mary Poppins. Relatando travestidamente os fatos que encadearam a conturbada relação entre Walt Disney e a escritora de pseudônimo P.L. Travers na compra e venda dos direitos autorais de Mary Poppins, o novo longa de John Lee Hancock, diretor que conquistara em outrora platéias do mundo inteiro com o péssimo Um Sonho Possível, renova a tendência açucarada de seu cinema ao maquiar aquilo que não é bom para os negócios (da Disney).


A visão equivocada de Lee Hancock para a longa negociação entre Disney e Travers pode até cair nas graças dos menos informados a respeito do caso que o cerca, mas fato é que muito do que se rumoreja a respeito das situações em que ambos Travers e Disney se colocaram para chegar ao clássico filme que Mary Poppins é hoje é vagamente retratado aqui. E mesmo que a intenção de Lee Hancock não fosse ser verossímil quanto à História, o filme ainda é um grande emaranhado de boas intenções ocas. A falta de tato ou mesmo a sensibilidade para tratar personagens antiquados e emblemáticos cabe ao elenco realizar todo o trabalho sujo do diretor, como Sandra Bullock fez em Um Sonho Possível, papel que surpreendentemente lhe rendeu o Oscar de melhor atriz, e agora Emma Thompson, que se entrega sem ressalvas à caricatura de sua personagem e consegue dar ao filme uns (poucos) bons momentos de honestidade. Partindo do princípio de que as lágrimas significam que o filme está no caminho certo, essa estranha necessidade de Lee Hancock melodramatizar cada ação dos personagens a fim de creditá-los de boa índole, ainda mais num filme que retrata uma realidade conhecida (de uma minoria) do público, faz com que as situações se entrelacem num evento contraditório, o qual limita qualquer chance real de se fazer justificável às lágrimas que o espectador pode ou não compartilhar com a história.


Não mais que um caça-níquel mal feito, e uma das traduções mais tenebrosas de títulos de filmes, Walt Nos Bastidores de Mary Poppins de relevante só tem mesmo a co-relação com o texto no qual se inspira, pois a discrepância narrativa entre os contextos que Lee Hancock deseja (re)tratar acaba pendendo apenas para envergonhar a marca a qual reproduz e os valores éticos e verdadeiros que (ainda que poucos diretores o tenham feito) acreditavam-se existir na indústria de Hollywood atualmente.


Estados Unidos/Inglaterra/Austrália, 2013, 125 min.
De John Lee Hancock
Com Tom Hanks, Emma Thompson, Paul Giamatti