terça-feira, 10 de dezembro de 2013

[Crítica] Muito Barulho Por Nada


Por alguma (feliz) razão fomos brindados com a estréia –limitada– de um dos filmes mais interessantes lançados no ano passado. Baseado na obra de humor homônima de Shakespeare, Muito Barulho Por Nada é uma pérola pop, dirigida pelo responsável do suprassumo Os Vingadores, Joss Whedon, que surge na filmografia do diretor e na reverência à narrativa shakespeariana como um exercício de estilo perspicaz e deliciosamente divertido.

Segundo entrevistas e notas da produção, a razão à qual o projeto veio à tona se justifica numa brincadeira de Whedon que, durante suas férias, após a produção de Os Vingadores, organizou uma equipe em sua casa, na Califórnia, decidido a lançar um filme em co-produção com sua esposa em selo independente, numa estrutura visual completamente diferente das quais as obras de Shakespeare costumam ser filmadas. Mantendo-se na forma clássica apenas o texto e a filmagem preta e branca –que compreende bem mais a atmosfera social (e romântica) daqueles personagens-, Whedon modernizou a ambientação e buscou transformar o cinismo amoroso e comportamental da trama num estudo abrangente de personagem e daquilo que o próprio cinema pode usar e/ou exercer como artifício manipulador. Logo na primeira cena, um casal, ainda desconhecido do espectador, desvincula-se rispidamente um do outro após uma noite amorosa, que se compreende, depois, como idéia subvertida na seqüência de apresentação de ambos à trama. Alexis Denisof é Benedick e a (ótima) Amy Acker é Beatrice: dois personagens orgulhosos, e química incontestável, que surgem de primeira instância como coadjuvantes de si mesmos, mas, ao desenrolar da trama, trazem consigo um sentimento de (re) encontro do amor perdido, em contradição da busca pelo novo. A imagem construtiva do casal em pé de guerra é na verdade uma brincadeira, cuja intenção é desmistificar a busca pelo amor -e por conseqüência sua forma clássica-, concebendo uma fórmula (incomum) de interpretação textual, na qual se entende toda a genialidade de Whedon no manuseio harmonioso de ideias e estilo.
Drinks na piscina do desespero
Desde o código humorístico transposto ao título, para se compreender toda a perspicácia impressionista de Whedon é preciso levar em conta que o estilo aqui é um personagem importante à trama. Do uso natural da luz em contraste degrade com as cores como elementos dramáticos, e até mesmo nos inúmeros devaneios performáticos do elenco, que se utilizam da banalização sexual como objeto de alienação amorosa e social, não fosse a subversão do humor num drama denso, capturado dos sinais textuais e da interpretação exagerada da trama, os artifícios fílmicos de Whedon facilmente enganariam, e a reunião de um grupo de amigos fazendo piada de si e dum estilo de vida elitizado, tão plastificado quanto uma novela mexicana, tornar-se-ia quase antagônica à interpretação do filme e do texto de Shakespeare como artigos de um debate, às custas do amor, a ser feito em longo prazo.

Muito Barulho Por Nada (★★★★) 
Estados Unidos, 2012, 109 min
De Joss Whedon
Com Amy Acker, Alexis Denisof, Fran Kranz, Clark Gregg, Nathan Fillion



quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

[Crítica] Última Viagem a Vegas


É crescente em Hollywood o número de filmes com atores consagrados tratando a respeito da velhice e a iminência da morte de forma a compreender a inconstante transição do homem; em contraste com suas divergências sociais e pessoais. Contudo, poucos são os realizadores que conseguem fazer uma abordagem crível e inteligente do assunto. Última Viagem a Vegas, comédia dramática de Jon Turteltaub, mais novo longa a se aventurar pela temática, até possui os ingredientes necessários para estabelecer um debate interessante do assunto, mas ao deixar-se levar pela brincadeira de gênero, bastante visível pela semelhança do longa com Se Beber, Não Case, Turteltaub acaba por transformar qualquer aspecto verossímil de seu filme numa orquestra de sentimentalismo barato, que pouco justifica as intenções do elenco, e tampouco define alguma ideia a respeito da eloquência da temática.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

[Crítica] Terra Prometida


Infelizmente tendo seu lançamento restrito em DVD, o novo longa de Gus Van Sant acabou por passar despercebido pelo público e crítica brasileira. Temática um tanto distante daquilo que Van Sant tratou por tanto tempo, é curioso experimentar um filme como Terra Prometida depois do drama agridoce de Inquietos. Curioso, pois mesmo sendo um filme de áurea política ativista, o diretor encontra no engajamento político social de Matt Damon e John Krasinski (que roteirizam o longa) uma forma de explorar um personagem que ele e Damon criaram com brutal sutileza há 15 anos atrás. Sim, a muito mais de Will Hunting (Gênio Indomável) em Terra Prometida, do que expressamente um manifesto contra as falsas profecias industriais.

Partindo do que Damon e Krasinski -ingenuamente- têm a dizer sobre manipulação de uma indústria de gás natural numa pequena cidade do interior dos Estados Unidos, a micro trama de Terra Prometida sobre os conflitos modernos e a pacata vida interiorana acaba por refletir seu discurso muito mais na moral do homem (no caso, do personagem de Matt Damon), quanto às decisões sociais, em prol do próximo, do que arriscar-se em ser um cinema denúncia sobre o que costumeiramente acontece nas fronteiras desse eixo tratado no filme. De certa forma, a ingenuidade aqui acarreta no desenvolvimento tênue do cinema de Van Sant, que se torna uma conseqüência, principalmente, pela naturalidade com a qual a câmera do diretor vaga pela fábula e o terror social de personagens comuns, tentando sobreviver com o restante de dignidade que lhes resta. Já os aspectos ativistas se preenchem ao envolvimento pessoal dos atores, dando validade e honestidade as questões levantadas; sendo até uma singela homenagem aos trabalhadores interioranos que submergem as necessidades industriais após seus interesses terem sido supridos. Daquilo que os aspectos naturalistas do cinema de Van Sant têm a explorar junto a maturidade dos envolvidos, Terra Prometida se vê voltando no tempo e resgatando ideais sociais (e emocionais) de um personagem que imortalizado em Gênio Indomável. Ao passo que o desenvolvimento de Steve Butler (Matt Damon) em Terra Prometida é um espelho do amadurecimento de Will Hunting, o experimentalismo de Van Sant à custa de personagens comuns delineia as sensações agridoces de relações interpessoais adjunto aos conflitos pré-estabelecidos a elas, subvertendo, assim, o ideal documental do filme, injetando doses sutis de melodrama e mantendo a linearidade conspícua no tratamento humano e fiel dos personagens ali estudados.


Prezando sempre pela notoriedade dos sentimentos e da concepção do argumento, a melancolia carregada do cinema de Gus Van Sant encontra em Terra Prometida um equilíbrio necessário, que acaba por denotar não apenas a gentileza do diretor com o manifesto de Damon e Krasinski, que o acolheram ao projeto, mas também por ser um atestado da transição cinematográfica de um realizador que procurou nas peculiaridades sociais e humanas uma forma de transfigurar emoções notáveis ao público e exorcizar os dilemas compilados a trajetória da vida. Para além do que o cinema tem a oferecer na impressão de imagens com respostas aos questionamentos vivenciais, a visão de Gus Van Sant sobre a vida e sobre o cinema é na verdade um reflexo do que nós, e tampouco ele, conseguimos definir. É instável e inconstante -e nunca palpável-, mas há um sentido.


Terra Prometida (★★★★) 
Estados Unidos, 2012, 106 min
De Gus Van Sant
Com Matt Damon, John Krasinski, Frances McDormand e Hal Holbrook