Pior do que escrever sobre um filme como Trapaça é acompanhar a câmera de David O. Russell pelas caras e bocas da Jennifer Lawrence no filme (e eu sou um grande fã da atriz!). Nunca pensei que aquele diretor de Três Reis, de persona non grata do cinema hollywoodiano, se transformaria nesse realizador de plateias que vem se construindo desde O Vencedor (que ainda era um bom filme). Numa versão um pouco menos empolgante de Scorsese e numa gangorra climática de gêneros, o filme flerta com tanta coisa e acaba sem identidade nenhuma.
Resultado do que O Lado Bom da
Vida já vinha salientando quanto à falta de senso narrativo e de textura de O.
Russell, que continua a explorar a vertente que o transformará num dos
queridinhos da Academia, emulando a didática contemporânea, convertendo os
exageros em estilo e fetichizando o elenco até seu limite, o filme narra em
forma de conto (verídico) a trama de impostores que se envolvem num esquema de
investigação corrupta do FBI. Tentativa frustrada de O. Russell em desenvolver
uma tese moral quanto às relações interpessoais daqueles indivíduos,
enfatizando o ato de cada ação e reação costumeiro de seus filmes, numa mesma
fórmula verborrágica auto-ajuda de O Lado Bom da Vida (parecendo quase uma
continuação setentista do mesmo), os hibridismos (dis)funcionais personalizados da sua inconsequente direção de elenco, em Trapaça, se contempla apenas no
piloto automático de planos-fetiches e na narrativa (furada) em homenagem à
Touro Indomável. A colagem de efeitos destoante sob a construção dos
personagens (a.k.a Louis C.K servindo de muleta para Bradley Cooper) cabe ao próprio elenco encontrar uma forma de se desdobrar diante
das armadilhas da narrativa e do detrimento de conteúdo cinematográfico que O.
Russell emprega a textura da trama, que se quer ser algo sempre além do
proposto. E é justamente pela falta de um sentido em todo esse espetáculo de
perucas e bronzeados (que são quase personagens próprios), o filme -e
principalmente o elenco- acaba por tomar forma plástica, tendo seu desenvolvimento
todo voltado para o ego do diretor, cuja intenção somente ele parece acreditar
ser crível suficiente.
Dos hypes mais injustificáveis do
ano, Trapaça se vende somente pela tentativa do elenco em manter a dignidade (que resta) ao ofício de ser ator –nas mãos de O. Russell, que fique claro. Ainda que Christian Bale sustente boa parte
desse equívoco estético/narrativo, numa iconização de Robert De Niro, o
deslumbre pelo próprio filme não justifica a falta de conteúdo do mesmo ou a
materialização de um Cinema que se faz somente pelo prazer de uma temporada de
prêmios. Confortável com sua posição de diretor de hits, o que O. Russell conclui em
Trapaça é apenas a expectativa para os próximos capítulos da saga ‘Bradley Cooper e
Jennifer Lawrece no Oscar’.
Estados Unidos, 2013, 138 min
De David O. Russell
Com Christian Bale, Amy Adams, Jennifer Lawrence, Bradley Cooper, Jeremy Renner