quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

[Crítica] Trapaça


Pior do que escrever sobre um filme como Trapaça é acompanhar a câmera de David O. Russell pelas caras e bocas da Jennifer Lawrence no filme (e eu sou um grande fã da atriz!). Nunca pensei que aquele diretor de Três Reis, de persona non grata do cinema hollywoodiano, se transformaria nesse realizador de plateias que vem se construindo desde O Vencedor (que ainda era um bom filme). Numa versão um pouco menos empolgante de Scorsese e numa gangorra climática de gêneros, o filme flerta com tanta coisa e acaba sem identidade nenhuma.  

Resultado do que O Lado Bom da Vida já vinha salientando quanto à falta de senso narrativo e de textura de O. Russell, que continua a explorar a vertente que o transformará num dos queridinhos da Academia, emulando a didática contemporânea, convertendo os exageros em estilo e fetichizando o elenco até seu limite, o filme narra em forma de conto (verídico) a trama de impostores que se envolvem num esquema de investigação corrupta do FBI. Tentativa frustrada de O. Russell em desenvolver uma tese moral quanto às relações interpessoais daqueles indivíduos, enfatizando o ato de cada ação e reação costumeiro de seus filmes, numa mesma fórmula verborrágica auto-ajuda de O Lado Bom da Vida (parecendo quase uma continuação setentista do mesmo), os hibridismos (dis)funcionais personalizados da sua inconsequente direção de elenco, em Trapaça, se contempla apenas no piloto automático de planos-fetiches e na narrativa (furada) em homenagem à Touro Indomável. A colagem de efeitos destoante sob a construção dos personagens (a.k.a Louis C.K servindo de muleta para Bradley Cooper) cabe ao próprio elenco encontrar uma forma de se desdobrar diante das armadilhas da narrativa e do detrimento de conteúdo cinematográfico que O. Russell emprega a textura da trama, que se quer ser algo sempre além do proposto. E é justamente pela falta de um sentido em todo esse espetáculo de perucas e bronzeados (que são quase personagens próprios), o filme -e principalmente o elenco- acaba por tomar forma plástica, tendo seu desenvolvimento todo voltado para o ego do diretor, cuja intenção somente ele parece acreditar ser crível suficiente.


Dos hypes mais injustificáveis do ano, Trapaça se vende somente pela tentativa do elenco em manter a dignidade (que resta) ao ofício de ser ator –nas mãos de O. Russell, que fique claro.  Ainda que Christian Bale sustente boa parte desse equívoco estético/narrativo, numa iconização de Robert De Niro, o deslumbre pelo próprio filme não justifica a falta de conteúdo do mesmo ou a materialização de um Cinema que se faz somente pelo prazer de uma temporada de prêmios. Confortável com sua posição de diretor de hits, o que O. Russell conclui em Trapaça é apenas a expectativa para os próximos capítulos da saga ‘Bradley Cooper e Jennifer Lawrece no Oscar’. 

Trapaça (★★) 
Estados Unidos, 2013, 138 min
De David O. Russell
Com Christian Bale, Amy Adams, Jennifer Lawrence, Bradley Cooper, Jeremy Renner



terça-feira, 28 de janeiro de 2014

[Crítica] A Última Parada


Da leva de filmes independentes que saíram do Sundance ano passado, A Última Parada foi talvez o que mais repercutiu fora do festival, ganhando o aval da imprensa e sendo até a aposta indie no Oscar. Mas no meio do caminho, durante a temporada de prêmios, parece que o estreante Ryan Coogler não conseguiu emplacar seu filme como muitos críticos previam por aí. Numa abordagem político-social dos fatos verídicos que marcaram a noite de ano novo de 2008, o filme (re)constrói, aos moldes de um registro documental, as horas que antecederam o assassinato do jovem Oscar Grant pelo policial Ingram na Estação Fruitvale.

Mesmo não sendo familiarizado com o caso, não é muito difícil ver que o que Ryan Coogler concretiza aqui é (mais) uma tentativa clara de usar o Cinema como arma de justiça e gerar algum debate sobre a intervenção policial nesse tipo de situação. Talvez um tanto ingênuo -ou puramente equivocado- ao escolher retratar os fatos numa dramatização que eleva Oscar à imagem de anti-heroi interrompido, o que era esperteza por parte de Coogler, por não se prender a veracidade apurada dos fatos (mesmo estampando no início que o mesmo é baseado em fatos reais), e pela suavidade com a qual sua câmera transgride ao redor de cada ato do jovem, se torna o grande deslize de A Última Parada. Coogler vende um ideia, mas à medida que somos apresentados aos personagens, o estudo pré estabelecido por eles se torna meramente um (melo)drama industrial, e toda ou qualquer crítica que se queria conceber através da inevitável tragédia envolvendo Oscar acaba ganhando o contorno manipulativo e sensacionalista do pior exercício jornalístico, que pouco ou nada tem a dizer sobre a insensibilidade do ocorrido. Por mais que Oscar encontre dignidade na personificação irretocável de Michael B. Jordan, que aqui o experimenta em suas multi-facetas de cidadão americano, a idealização emocional e racial que Coogler quer a todo custo imprimir no espectador, na geração de um debate, faz do retrato honesto de um jovem à mercê do preconceito e do despreparo policial apenas um drama contemplativo maquiado de crítica social.



Por maiores as irregularidades, Coogler tem muita autenticidade fílmica (há um suspense ao melhor estilo Colateral, do Michael Mann, sendo construído em A Última Parada), e seu estilo se faz presente principalmente na intenção de potencializar a ação subvertida do filme e da narrativa que, por mais subjetiva e imponente, é bastante sólida e realista. Porém, as intenções e o timing usado para perpetuar um personagem cuja compreensão fica totalmente por conta do espectador, a estréia de Coogler cabe somente em ser um drama sensível eficiente e bem atuado/dirigido, que deixa expectativa para próximos projetos do diretor. Não mais que isso, a discussão que o filme ocasiona se eleva bem mais na revolta do espectador para com a crueza do ato, do que para a justificativa cinematográfica dada por Coogler.

A Última Parada (★★★) 
Estados Unidos, 2013, 85 min
De Ryan Coogler
Com Michael B. Jordan, Octavia Spencer, Melonie Diaz


quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

[Crítica] O Lobo de Wall Street


Quando Tina Fey brincou nos Globo de Ouro sobre a duração da premiação ser para Scorsese o que fora o “1º ato” de O Lobo de Wall Street entendi apenas como uma piada pronta para preencher o roteiro de apresentação da cerimônia, mas após assisti-lo e ler diversos comentários da crítica americana sobre Scorsese estar completamente despirocado na direção do filme, além da repercussão (negativa) que o mesmo está tendo dentro e fora dos Estados Unidos, acredito que o comentário de Tina tenha um efeito para além de um alívio cômico. Não que a imprensa especializada esteja errada, porque de fato O Lobo é uma versão do Scorsese que parecia estar adormecida há muito tempo (e pra mim é o filme que ele queria ter feito lá em Gangues de Nova York e Os Infiltrados), mas é completamente equivocado dizer que o diretor está fora de controle, pois mesmo que o espetáculo orquestrado por ele aqui seja deliberadamente histérico e exacerbado, Scorsese nunca esteve tão consciente de sua transgressão quanto cineasta antes (e não tô falando da saturação de drogas e sexo!).



Ano em que o paralelo estético e crítico dos diretores americanos foi uma armadilha –destaque especial para Sofia Coppola com The Bling Ring e Michael Bay com No Pain, No Gain, dois fetiches estilizados que não deram muito certo- na exploração das (multi)facetas d’América autodestrutiva e escrava das próprias ambições, 2013 realmente foi um ano importante para o Cinema. Poucos realizadores, porém, foram tão além da exibição estética (ridícula) como Scorsese em O Lobo de Wall Street. Uma versão megalomaníaca e expandida de Spring Breakers, na qual o mito da biografia homônima de Jordan Belford serve apenas de pretexto para a desconstrução duma audiência à merce do horror banal e de um humor (negro) que se faz tão somente pelo choque do que para ser expressamente divertido, assim como Harmony Korine, Scorsese tem pura consciência das sensações que seu filme causará no espectador e, para além dos sentidos metafísicos e psicológicos compilados a extensão do argumento, o assombro de personagens como o gangster Alien (James Franco, estupendo) de Korine, surtindo efeito alienado numa juventude inconsequente e incrédula, o milionário Jordan Belford, carismático e gente fina, construído em O Lobo como um grande labialista, serve apenas de fachada para emular os sentidos mais grotescos e escravizados do homem americano diante de sua crença devotada completamente no espetáculo sensacionalista. É como se Scorsese, numa versão (ainda mais) politicamente incorreta do Kanye West de Yeezus, materializasse no filme a exaltação de seu próprio Cinema para explorar a decadência dos valores morais, banalizando em contradição tudo aquilo que faz da ficção um elo tênue entre o surreal e o real trágico.

Quase um estudo cínico devotado completamente de seu próprio ego cinéfilo, o que difere O Lobo de Wall Street de um De Palma em puro deslumbre em Scarface é justamente o encanto que Scorsese tem pela veia pulp de personagens como Belford (interpretação imaculada de um Leonardo DiCaprio em perfeita sintonia com seu mentor), traduzido no filme pela sublime construção narrativa documental, no melhor suspense kitsch, legitimando não apenas o que ele vinha elucidando desde Táxi Driver, no amor e ódio por Nova York, mas também tentando encontrar uma forma de compreender o que leva o Cinema a ser essa válvula de escape tão nua e crua que nem mesmo o mais sofisticado dos diretores contemporâneos consegue controlar. Talvez por tamanha incompreensão dos valores capitais e interpessoais, existe um sentimento muito verdadeiro sendo eternizado em cada plano das quase três horas de duração de O Lobo, e mesmo num filme indulgente como esse, Scorsese, assim como a audiência que espera ansiosamente a palestra motivacional de Jordan ao final do filme, amplia esse mecanismo fetichizado esvaziando o que nem o mais afiado panorama crítico ou os melhores arquétipos de personagens possam subverter às custas da confluência da imagem cinematográfica.

O Lobo de Wall Street (★★1/2)
Estados Unidos, 2013, 180 min.
De Martin Scorsese
Com Leonardo DiCaprio, Jonah Hill, Margot Robbie, Jean Dujardin, Matthew McConaughey, Kyle Chandler, Rob Reiner, Spike Jonze



segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

[Crítica] A Menina Que Roubava Livros

Histórias que só existem quando lembradas
Obras literárias de grande apelo popular são sempre acometidas pela grande dificuldade numa adaptação cinematográfica, seja tão somente pelo processo de produção – escalação de elenco, direção e equipe técnica -, como expressamente pelos detalhes que compreendem a paixão dos fãs pela literatura do autor. Obra prima de Markus Zusak, A Menina Que Roubava Livros demorou um bom tempo para ganhar os cinemas, tendo obtido o aval para sua (esperada) estreia no comando de Brian Percival – conhecido por seu trabalho na premiada série Downton Abbey - somente no início de 2013.

Numa releitura bastante dócil, diferente da frieza e contemplação presentes em todos os relatos da estória de Zusak, a visão aérea de Percival para A Menina Que Roubava Livros é a prova de que o cinema sempre pode se submeter às possibilidades narrativas. Não se prendendo a detalhes que cabem somente à literatura, e entregando àquilo que é perceptível aos olhos do espectador, o diretor faz uma acurada construção da heroína Liesel Meminger – interpretada pela irregular (mas bela) Sophie Nélisse – sempre deixando que seus anseios e inocência sejam expressos naturalmente em seus atos, compreendidos por movimentos de câmera tão delicadamente explorados. Quase um estudo sobre o exercício infantil -curioso e inocente- em meio à hostilidade de uma Alemanha em guerra, o horror expressionista da atmosfera visual do filme (sendo o vermelho da bandeira nazista quase um protagonista consequente) se torna por menor meio à relação amigável de Liesel e Rudy (Nico Liersch, encantador), pré-estabelecida nos primeiros instantes do longa em planos no melhor estilo ‘Steven Spielberg, manipulador de audiências’. Para além da notável competência fílmica de Percival quanto à sutileza dos detalhes visuais, os problemas de A Menina Que Roubava Livros se desvendam a partir do momento que seu tato substancial se torna questionável na lentidão rítmica dum segundo momento da narrativa, no qual o comodismo se faz personagem.


Não há hora, dia, nem lugar para ser criança
Tão ingênuo e pueril quanto imperfeito, apesar das entrelinhas e da sensação de fluxo inerte, presente até mesmo na trilha sonora de um John Williams mais do mesmo, o que Percival e elenco – em especial Geoffrey Rush e a maravilhosa Emily Watson – alcançam nessa adaptação bonitinha e eficaz de A Menina Que Roubava Livros é, para além do Cinema em sua forma essencialmente bela e nostálgica, uma forma de amenizar o âmago e a frieza que acomete toda a obra na qual se baseia. Se por um lado o que potencialmente poderia vir ser uma memorável adaptação acaba decepcionando por nunca ser ambiciosa o suficiente, a sutileza de Percival por toda a aventura histórica de Liesel Meminger, em seus 131 minutos, é - em toda comoção - uma prazerosa (e necessária) experiência. 

A Menina Que Roubava Livros (★★) 
Estados Unidos/Alemanha, 131 min, 2013 
De Brian Percival
Com Sophie Nélisse, Geoffrey Rush, Emily Watson




segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

[Crítica] Atividade Paranormal: Marcados Pelo Mal

As iluminadas
Fazendo-se presente agora através da cultura mexicana, conhecida pela fé religiosa assídua e crença consequente no maligno, Atividade Paranormal chega a seu quinto ato prometendo muito e cumprindo pouco. Pela primeira vez como realizador numa produção em grande escala, Christopher Landon, roteirista dos três filmes anteriores, e escolha questionável para orquestrar as próprias ideias aqui, parece assumir esse Marcados Pelo Mal sem ter conhecimento da responsabilidade que carrega em seus ombros. Aos moldes do que as possibilidades do found footage -e da onda de filmes homenagem- tem a oferecer, o diretor se mostra bem mais funcional como comediante (involuntário), do que um artesão do terror clássico.

Não fugindo muito do que já fora experimentado nos longas anteriores, esse Marcados Pelo Mal soa bem mais como uma tentativa em se validar através do cinema alheio do que pela autoidentificação de seu autor com a própria obra. Por vezes uma versão descontraída e menos interessante de Poder Sem Limites, de Josh Trank, e em outras uma cópia mal feita dos arquétipos cinematográficos de James Wan, as sequências de ação e humor se concentram tanto em obter alguma reação positiva da audiência que acabam se tornando um grande e desnecessário equívoco. Para além dos inúmeros clichês e fórmulas de terror usadas para criar a atmosfera de suspense no longa, de uma colagem de efeitos bem feita, Marcados Pelo Mal se torna, a cada nova decupagem, uma sátira de si mesmo; e essa consequência assume tal forma tão somente pelo grotesco desejo de Landon em linkar a trama deste com a dos filmes anteriores, levando o espectador, ao fim da sessão, questionar não sobre o que assistiram, mas sobre o bom senso dos criadores em os tratarem com um pouco mais de respeito.

Entrando numa fria
Apostando em homenagens – de O Iluminado de Kubrick à O Bebê de Rosemary de Polanski- que pouco ou nada agregam algum valor substancial à trama, o que possivelmente faz dessa sequência um passatempo (inofensivo) é o trabalho do carismático elenco –em especial Jorge Díaz e Andrew Jacobs- que carregam o filme numa leve descontração, quase infantil até, tornando  o descompromisso de Landon (quase) justificável. 

Atividade Paranormal: Marcados Pelo Mal (★★) 
Estados Unidos, 2014, 84 min
De Christopher Landon
Com Andrew Jacobs, Jorge Diaz, Gabrielle Walsh