Quando
Tina Fey brincou nos Globo de Ouro sobre a duração da premiação ser para
Scorsese o que fora o “1º ato” de O Lobo de Wall Street entendi apenas como uma
piada pronta para preencher o roteiro de apresentação da cerimônia, mas após
assisti-lo e ler diversos comentários da crítica americana sobre Scorsese estar
completamente despirocado na direção do filme, além da repercussão (negativa)
que o mesmo está tendo dentro e fora dos Estados Unidos, acredito que o
comentário de Tina tenha um efeito para além de um alívio cômico. Não que a
imprensa especializada esteja errada, porque de fato O Lobo é uma versão do
Scorsese que parecia estar adormecida há muito tempo (e pra mim é o filme que
ele queria ter feito lá em Gangues de Nova York e Os Infiltrados), mas é
completamente equivocado dizer que o diretor está fora de controle, pois mesmo
que o espetáculo orquestrado por ele aqui seja deliberadamente histérico e
exacerbado, Scorsese nunca esteve tão consciente de sua transgressão quanto
cineasta antes (e não tô falando da saturação de drogas e sexo!).
Ano em que o paralelo estético e crítico dos diretores americanos foi uma armadilha –destaque especial para Sofia Coppola com The Bling Ring e Michael Bay com No
Pain, No Gain, dois fetiches estilizados que não deram muito certo- na exploração das (multi)facetas d’América
autodestrutiva e escrava das próprias ambições, 2013 realmente foi um ano importante para o Cinema. Poucos realizadores, porém, foram tão além
da exibição estética (ridícula) como Scorsese em O Lobo de Wall Street. Uma
versão megalomaníaca e expandida de Spring Breakers, na qual o mito da
biografia homônima de Jordan Belford serve apenas de pretexto para a desconstrução
duma audiência à merce do horror banal e de um humor (negro) que se faz tão
somente pelo choque do que para ser expressamente divertido, assim como Harmony
Korine, Scorsese tem pura consciência das sensações que seu filme causará no
espectador e, para além dos sentidos metafísicos e psicológicos compilados a
extensão do argumento, o assombro de personagens como o gangster Alien (James
Franco, estupendo) de Korine, surtindo efeito alienado numa juventude
inconsequente e incrédula, o milionário Jordan Belford, carismático e gente
fina, construído em O Lobo
como um grande labialista, serve apenas de fachada para emular os sentidos mais
grotescos e escravizados do homem americano diante de sua crença devotada
completamente no espetáculo sensacionalista. É como se Scorsese, numa versão (ainda
mais) politicamente incorreta do Kanye West de Yeezus, materializasse no filme
a exaltação de seu próprio Cinema para explorar a decadência dos valores morais,
banalizando em contradição tudo aquilo que faz da ficção um elo tênue entre o
surreal e o real trágico.
Quase
um estudo cínico devotado completamente de seu próprio ego cinéfilo, o que difere
O Lobo de Wall Street de um De Palma em puro deslumbre em Scarface é justamente
o encanto que Scorsese tem pela veia pulp de personagens como Belford (interpretação
imaculada de um Leonardo DiCaprio em perfeita sintonia com seu mentor), traduzido
no filme pela sublime construção narrativa documental, no melhor suspense kitsch,
legitimando não apenas o que ele vinha elucidando desde Táxi Driver, no amor e ódio
por Nova York, mas também tentando encontrar uma forma de compreender o que
leva o Cinema a ser essa válvula de escape tão nua e crua que nem mesmo o mais
sofisticado dos diretores contemporâneos consegue controlar. Talvez por tamanha
incompreensão dos valores capitais e interpessoais, existe um sentimento muito
verdadeiro sendo eternizado em cada plano das quase três horas de duração de O
Lobo, e mesmo num filme indulgente como esse, Scorsese, assim como a audiência
que espera ansiosamente a palestra motivacional de Jordan ao final do filme, amplia
esse mecanismo fetichizado esvaziando o que nem o mais afiado panorama crítico
ou os melhores arquétipos de personagens possam subverter às custas da
confluência da imagem cinematográfica.