quinta-feira, 24 de abril de 2014

[Crítica] O Espetacular Homem Aranha 2: A Ameaça de Electro


Existe um consenso sobre a função de um blockbuster desde mesmo antes da palavra ser atribuída em meados dos anos 40 em bombardeios de grande escala durante a 2ª Guerra. Entretenimento para o grande público, sucesso de bilheteria, produção de orçamento volumoso, enfim, o Cinema se apropriou de tal definição com o passar do tempo, sendo hoje o blockbuster hollywoodiano quase um gênero por tradição. Dentro dessa premissa, principalmente após a eclosão do Cinema digital no início dos anos 00, as produções que concebiam as histórias em quadrinho tomaram a idealização de seus projetos como influência dos blockbusters de ação e aventura difundidos nos anos 80/90. Não é à toa, então, que esse reboot do Homem Aranha tenha muito mais haver com essa concepção popular tradicional do blockbuster, do que pela cinematografia explorada por Sam Raimi com sua trilogia no início da década passada. Ao contrário da densidade e do experimentalismo que Raimi desenvolveu a partir do enredo dos quadrinhos em seus filmes, Marc Webb se apropria da história do homem-teia com puro e consciente reconhecimento de seu valor popular.


Razoavelmente melhor que o tedioso primeiro filme, esse A Ameaça de Electro possui uma propriedade muito mais consciente que o anterior não permitia demonstrar. Não mais que um produto pop comercial, é explícito do começo ao fim que sua concepção está relacionada à de filme-ostentação, ainda que Webb tente mascarar alguns momentos com cenas estilizadas e auto-importantes de diretor com pouca qualidade narrativa (e tampouco estética). Por mais que o elenco se sobressaia às caricaturas de seus personagens, desenvolvendo-se à parte da trama em construções cênicas tão singelas quanto baratas –essencialmente pela química do casal protagonista tanto fora quanto dentro de cena-, o ego afetado de Webb tende a distorcer a função do filme em conceitos e fórmulas que não prevalecem seu real ideal: ser um produto comercial e ponto. O espetáculo de bobagens e irrelevâncias da trama em sua primeira hora e meia se torna puro mecanismo para que Hans Zimmer emule uma versão histérica do Skrillex, ou que as sequências em slow motion criem o visual ‘wow’ de filme de ação, que acabam soando mais como um fetiche estético em modo saturado do que uma consequência de sua vontade de soar divertido e/ou agradável; tanto quanto esbanjado. Refém de si mesmo, Webb se acha tão esperto e autoral por ter sempre uma cartada na manga em cada situação potencialmente dramática e/ou cômica, que mesmo essa (falsa) esperteza rendendo tanto o melhor momento (a sequência final meio à estrutura de Nova Iorque -que é quase um personagem por si só- tão simbólica quanto parte da construção de um todo), como o pior momento (todo o desenvolvimento infantilóide dos vilões) do filme, cria-se uma visão de seu reboot sendo mais desnecessário do que divertidamente bobo. Se por um lado Webb dá significado para além do escopo que concerne Nova Iorque como sede simbólica do vigilante e sua imperfeição, a falta de personalidade do diretor e sua compreensão de blockbuster esperto tornam seu filme um mero produto que se quer ser comercialmente divertido através de situações manjadas e pré-formuladas, que levam seu protagonista ser mera marionete de sua auto-importância -infelizmente. 

Estados Unidos, 2014, 142 min.
De Marc Webb
Com Andrew Garfield, Emma Stone, Jamie Foxx, Dane DeHaan



terça-feira, 22 de abril de 2014

[Crítica] Iggy Azalea - The New Classic


Quando surgiu nos holofotes da blogosfera independente, Iggy Azalea era apenas a versão higienizada do Eminem, querendo a todo custo soar transgressora, por ser uma loira branquela com porte de modelo fazendo música controversa. Nada contra, até acho ‘Pu$$y’ um divertido exercício de auto-paródia, mas dentre as parcerias com rappers como Pusha T e o atual coqueluche do hip hop -o ótimo- YG, e produtores conceituais como Diplo, Azalea mostrava que era bem mais um produto pronto pra ser comercializado do que uma rapper a ser levada a sério. Apesar disso, sempre tive a impressão de que ela tinha pura consciência da impressão que causava ao abrir sua boca pra rimar algo do tipo “wetter than Amazon, taste this kitty, silly Billy poppin’ pilly’s”. Mas se no começo Iggy, ainda que pouco substancial, tinha certo teor cômico na compilação das rimas exploradas por trap beats e bouncy refrões, em ‘Work’, carro chefe do The New Classic, numa versão melhorada da idealização capitalista vazia de Work Bitch da Britney Spears, a loira ostenta tudo que conquistou à base de muito trabalho, ao mesmo tempo em que diz estar tentando contar sobre o que ela passou pra chegar até ali, apesar de tudo acabar soando como pano de fundo pro beat reciclado do hit ‘Harlem Shake’ no refrão.


The New Classic é concebido em forma de disco épico, não somente pelo título sugestivo, ou por Iggy ser a branquela-modelo-fazendo-rap-ostentação, mas por existir uma necessidade supersaturada –e isso se resume ao pop atual em geral- de superação no lirismo de club beats, que fazem as produções oscilarem entre o conceitual e o extremamente (baratismo) comercial numa forma surpreendentemente consistente. O disco é de fácil acesso, e isso não é algo ruim, até porque estamos falando de um produto expressamente pop. E, ora, pois, se até a Young Money vez ou outra se junta pra se beneficiar do mercado pop com discos questionáveis, Iggy compilar um disco de dupla face não faz dela pior (nem melhor) que ninguém. Entretanto, o que torna a experiência do disco da Azalea duvidosamente interessante é a falta de posição da artista dentro do próprio trabalho. Por vezes agressivamente anárquica (na própria ‘Work’ existe uma subversão da ostentação do estilo de vida de Azalea), quase querendo falar algo que soe honesto e não apenas oscilação da banalização de superação que perpetua boas beat tracks do hip hop consciente (alô Angel Haze!), Iggy parece se perder na própria narrativa do disco, se entregando aos clichês sem necessidade, ou em outras vezes ostentando coisas que, let’s face it, ela nem tem moral pra ostentar. A posição de power bitch (inofensiva) em canções sobre ela se foder pro amor e querer mesmo diamantes mostra o quão fragilizado é o desenvolvimento da personagem de Iggy no disco. Existe um conflito muito grande entre a persona de Iggy e história das canções. Não que ela precise escancarar sua vida pessoal pra ser honesta sobre si mesma, mas é difícil acreditar na trama do The New Classic, pois mesmo que compreensível sua estrutura comercial, o disco pende mais pra apelação visual de sempre, do que pela ação introspectiva da moça nas própria rimas, ou pela ideia feminista dum disco de (pop) rap duma branquela boa de twerk se auto-reverenciando.


Island Records, Estados Unidos, 2014.


sexta-feira, 11 de abril de 2014

[Crítica] Divergente


Já começo me despindo da obrigação de comparar a cinematografia de Divergente com a literatura na qual se baseia por motivos de 1) não li o livro em questão e 2) a liberdade cinematográfica autoral do diretor é o que me interessa. Mas já que toquei no assunto, os minutos iniciais de Divergente são bastante determinantes para se compreender que caminhos a saga deseja almejar. Entretanto, apesar da boa introdução, o que se sucede não passa de mais uma tentativa constrangedora -e sem personalidade- de filme se impondo quanto saga pós-Harry Potter/Twilight/Hunger Games.


Carregado dum virtuosismo estético cheio de pretensão, que parece existir somente para montar alguma cena de ação ou forçar um suspense ameaçador, o filme de Neil Burger sobre o futuro distópico de uma Chicago pós-Guerra, segregada por facções categorizadas por instinto de personalidade, e onde escolhas cabíveis a qualquer ser humano se tornam de valor imensurável, tem todo o alcance político e psicológico para estabelecer uma experiência de cunho cinematográfico no mínimo curiosa. Porém, todo o vigor da premissa envolvendo Tris – personificação de uma Shailene Woodley bastante apática e inexpressiva – se torna um mero caça-níquel aos moldes das projeções hollywoodianas comuns. A estrutura do filme parece se desenvolver expressamente a fim de emular sensações semelhantes com aquelas que Jogos Vorazes perpetuou tão engenhosamente bem, tornando a saga da moça em mera coadjuvante de si mesma. Se justificando com situações forçadas entre a protagonista e o galã-herói (que surpreendentemente é de longe o personagem mais interessante aqui), que dialogam através duma verborragia manjada, a experiência proporcionada por elenco e diretor se torna tão entediante que nem mesmo a presença de Kate Winslet consegue agregar alguma crivabilidade a toda essa baboseira pseudo-assustadora.


Tão bobo quanto vigoroso, o filme em questão peca justamente no fato de querer ser um produto comercial e ao mesmo tempo carregado de densidade visual (ou de efeito?), sem em nenhum momento se afirmar como tal. Tamanho é o desinteresse que se desenvolve com aqueles personagens, que nem mesmo tentar acreditar que tudo aquilo não passa de uma piada irônica quanto ao número massivo de produções desse porte nos últimos anos se torna uma opção consciente. Tramando um diálogo barato (e frustrante) com a ideia de arrancar do público algum sentimento perante o desperdício de talento (in)explorado em cena, Divergente acaba tendo tanto valor quanto uma folha de papel em branco.

Divergente ()
Estados Unidos, 2014, 139 min.
De Neil Burger
Com Shailene Woodley, Kate Winslet, Ashley Judd, Theo James, Jai Courtney, Miles Teller, Ansel Elgort



terça-feira, 8 de abril de 2014

[Crítica] Hoje Eu Quero Voltar Sozinho


Logo na primeira cena, Leonardo e Giovana conversam à beira da piscina sobre como estão entediados com o marasmo de suas vidas e o quanto desejavam estar vivendo um romance de verão. Já fica bem claro na sequência o que (supostamente) se sucederia na trama de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho.  Primeiro longa-metragem de Daniel Ribeiro, e uma espécie de versão extendida do delicado curta Eu Não Quero Voltar Sozinho, de 2010, o filme acerta na dosagem comercial e principalmente no encantamento pelo esmerado trio que o compõe. Mas se lá no curta, ainda que subjetivamente, as intenções de Leo, Giovana e Gabriel haviam sido perpetuadas pelo olhar singelo que Ribeiro transpunha à relação do trio entre si, a profundidade pessoal e emocional esperada para o desenvolvimento dos mesmos no longa é quase nula.



O escopo da trama do jovem cego que se sente descobrindo o primeiro amor, para além dos aspectos sociais, é tomado por diversos conflitos colaterais que acabam por tornar sua vida tudo àquilo que tanto almejara naquela tarde à beira da piscina. Leornado, apesar de cego, é carregado por uma visão muito clara das coisas, e mesmo que ainda bastante suscetível à ingenuidade juvenil, sua ternura possui um toque levemente amargo, visível quando o mesmo confronta sua plenitude ao estar ausente de seus amigos e familiares. Talvez por ser um personagem que precise de um tratamento minucioso, quase clínico, em seu desenvolvimento, Leonardo, por carregar essa carga emocional potencial, leva o filme a um pertinente questionamento sobre quais são os anseios, frustrações e medos daqueles personagens, que apesar de sutilmente construídos com carinho por Ribeiro, não conseguem ser experimentados pelo público a ponto de fugir da experiência do meramente agradável. É-me curioso também como o diretor tem tanto a explorar, mas prefere traçar uma linha limitando o diálogo do filme com o público (que não seja seu alvo), a fim de concedê-lo uma aparência higienizada e amplamente receptível. Ribeiro parece não saber condensar os sentimentos expressos por aqueles personagens, sempre resgatando o que funcionara no curta, e não experimentando as possibilidades que seu longa lhe oferece. 




Para além de um dos poucos exemplares de cinema independente a ganhar visibilidade no mercado comercial nacional, a importância de um filme como Hoje Eu Não Quero Voltar Sozinho, independente do resultado esperado, é evidenciada quando o mesmo se projeta dessa forma. Servindo de ilustração panfletária em movimento do que possivelmente possa se suceder (positivamente) no cinema nacional dentro da temática, o filme de Daniel Ribeiro talvez fosse mais assertivo caso não se prendesse tanto à idealização concretizada no curta o qual se baseia, já que ambos se configuram em formas e tempos concomitantemente distintos. 

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (★★1/2)
Brasil, 2014, 95 min.
De Daniel Ribeiro
Com Ghilherme Lobo, Fabio Audi, Tess Amorim



quinta-feira, 3 de abril de 2014

[Crítica] Noé


O Lutador e Cisne Negro (as duas obras primas incontestáveis de Aronofsky) continuam bastante recentes, logo é compreensível que o diretor se arrisque num projeto tão ambicioso como Noé, que para além de ser um conto bíblico universal, é uma história de cunho cinematográfico inflexivelmente ousada. Como o próprio diretor disse numa entrevista, até mesmo para ele a escolha de um filme como Noé soa estranha. Mas, no entanto, é no mínimo curioso ver como Darren Aronofsky se apropria do ideal do blockbuster hollywoodiano a fim de perpetuar um dos tantos exercícios de Cinema que ele já rendeu (com maestria, por sinal), e que aqui ganha um contorno quase refinado dentro daquilo que o diretor já se mostrou capaz. Vi algumas pessoas criticando (pré julgando, na verdade) o culto feito a Noé no filme em questão, mas vale lembrar que o longa é vagamente inspirado na estória bíblica (e não existe absolutamente nada de Ridley Scott na visão de Darren, como algumas pessoas vem pontuando). O que Darren e – principalmente – Crowe constroem aqui é tão somente uma reflexão de ensinamentos arcaicos sobre uma sociedade contemporânea.



Tal como se era esperado, Noé é um filme que parte do princípio do entretenimento. E não há nenhum problema nisso, já que, pelo contrário, é um dos motivos que impedem o filme de se tornar uma sessão didática enfadonha. Porém, existe um conflito muito perceptível entre a narrativa do filme e as ambições de Aronofsky com ela, que levam tanto a dramaticidade do elenco coadjuvante quanto a tentativa do mesmo em ser complexa à precariedade. E esse conflito começa justamente quando o filme é apropriado do estilo de Aronofsky, numa estrutura convertida de Pi, que projeta uma densidade que nunca é culminada pela trama (como no recente 12 Anos de Escravidão), cabendo a Russell Crowe (que por sinal está em seu melhor momento desde... O Gângster?) compreender e (des) construir seu personagem à medida que suas escolhas se tornam mais humanas e menos divinas. Crowe se livra de seus limites e entrega um Noé sereno, contido e complexo até (que de certa forma me leva a crê-lo como um alter-ego de Aronofsky no que diz respeito à transição dramática que se vem observando com os já citados O Lutador e Cisne Negro). Aronofsky possui substância e controle suficiente da tênue que concerne os gêneros cabíveis a seus filmes, o que facilmente os levam a se fundirem em cena sem nunca soarem exagerados ou baratos, mas em Noé o diretor parece ostentar uma versão comercial de si mesmo. Ainda que bastante contemplativo, os meandros da narrativa e a diluição do argumento parecem andar em caminhos opostos, e o filme a todo o momento potencializa a cinematografia -querendo ser visceral- mas não correspondendo-a da forma como se é esperada, compenetrando o que se resulta num exercício de estilo tão fácil quanto engenhoso.




Não mais que um filme a fim de formar discussões, reflexões e questionamentos por inúmeras –e equivocadas- razões (como concretizou Ninfomaníaca do Lars von Trier), Noé acaba sendo para os mais assíduos fãs de Aronofsky apenas uma experiência curiosa, ou decepcionante; e para os religiosos de plantão um motivo a mais para se apropriar das mídias sociais com argumentos que nunca vão refletir na proposta cinematográfica do diretor. Falem bem, falem mal, mas falem sobre mim. 

Noé (★★)
Estados Unidos, 2014, 138 min.
De Darren Aronofsky
Com Russell Crowe, Jennifer Connelly, Emma Watson, Logan Lerman, Anthony Hopkins, Douglas Booth