terça-feira, 10 de dezembro de 2013

[Crítica] Muito Barulho Por Nada


Por alguma (feliz) razão fomos brindados com a estréia –limitada– de um dos filmes mais interessantes lançados no ano passado. Baseado na obra de humor homônima de Shakespeare, Muito Barulho Por Nada é uma pérola pop, dirigida pelo responsável do suprassumo Os Vingadores, Joss Whedon, que surge na filmografia do diretor e na reverência à narrativa shakespeariana como um exercício de estilo perspicaz e deliciosamente divertido.

Segundo entrevistas e notas da produção, a razão à qual o projeto veio à tona se justifica numa brincadeira de Whedon que, durante suas férias, após a produção de Os Vingadores, organizou uma equipe em sua casa, na Califórnia, decidido a lançar um filme em co-produção com sua esposa em selo independente, numa estrutura visual completamente diferente das quais as obras de Shakespeare costumam ser filmadas. Mantendo-se na forma clássica apenas o texto e a filmagem preta e branca –que compreende bem mais a atmosfera social (e romântica) daqueles personagens-, Whedon modernizou a ambientação e buscou transformar o cinismo amoroso e comportamental da trama num estudo abrangente de personagem e daquilo que o próprio cinema pode usar e/ou exercer como artifício manipulador. Logo na primeira cena, um casal, ainda desconhecido do espectador, desvincula-se rispidamente um do outro após uma noite amorosa, que se compreende, depois, como idéia subvertida na seqüência de apresentação de ambos à trama. Alexis Denisof é Benedick e a (ótima) Amy Acker é Beatrice: dois personagens orgulhosos, e química incontestável, que surgem de primeira instância como coadjuvantes de si mesmos, mas, ao desenrolar da trama, trazem consigo um sentimento de (re) encontro do amor perdido, em contradição da busca pelo novo. A imagem construtiva do casal em pé de guerra é na verdade uma brincadeira, cuja intenção é desmistificar a busca pelo amor -e por conseqüência sua forma clássica-, concebendo uma fórmula (incomum) de interpretação textual, na qual se entende toda a genialidade de Whedon no manuseio harmonioso de ideias e estilo.
Drinks na piscina do desespero
Desde o código humorístico transposto ao título, para se compreender toda a perspicácia impressionista de Whedon é preciso levar em conta que o estilo aqui é um personagem importante à trama. Do uso natural da luz em contraste degrade com as cores como elementos dramáticos, e até mesmo nos inúmeros devaneios performáticos do elenco, que se utilizam da banalização sexual como objeto de alienação amorosa e social, não fosse a subversão do humor num drama denso, capturado dos sinais textuais e da interpretação exagerada da trama, os artifícios fílmicos de Whedon facilmente enganariam, e a reunião de um grupo de amigos fazendo piada de si e dum estilo de vida elitizado, tão plastificado quanto uma novela mexicana, tornar-se-ia quase antagônica à interpretação do filme e do texto de Shakespeare como artigos de um debate, às custas do amor, a ser feito em longo prazo.

Muito Barulho Por Nada (★★★★) 
Estados Unidos, 2012, 109 min
De Joss Whedon
Com Amy Acker, Alexis Denisof, Fran Kranz, Clark Gregg, Nathan Fillion



quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

[Crítica] Última Viagem a Vegas


É crescente em Hollywood o número de filmes com atores consagrados tratando a respeito da velhice e a iminência da morte de forma a compreender a inconstante transição do homem; em contraste com suas divergências sociais e pessoais. Contudo, poucos são os realizadores que conseguem fazer uma abordagem crível e inteligente do assunto. Última Viagem a Vegas, comédia dramática de Jon Turteltaub, mais novo longa a se aventurar pela temática, até possui os ingredientes necessários para estabelecer um debate interessante do assunto, mas ao deixar-se levar pela brincadeira de gênero, bastante visível pela semelhança do longa com Se Beber, Não Case, Turteltaub acaba por transformar qualquer aspecto verossímil de seu filme numa orquestra de sentimentalismo barato, que pouco justifica as intenções do elenco, e tampouco define alguma ideia a respeito da eloquência da temática.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

[Crítica] Terra Prometida


Infelizmente tendo seu lançamento restrito em DVD, o novo longa de Gus Van Sant acabou por passar despercebido pelo público e crítica brasileira. Temática um tanto distante daquilo que Van Sant tratou por tanto tempo, é curioso experimentar um filme como Terra Prometida depois do drama agridoce de Inquietos. Curioso, pois mesmo sendo um filme de áurea política ativista, o diretor encontra no engajamento político social de Matt Damon e John Krasinski (que roteirizam o longa) uma forma de explorar um personagem que ele e Damon criaram com brutal sutileza há 15 anos atrás. Sim, a muito mais de Will Hunting (Gênio Indomável) em Terra Prometida, do que expressamente um manifesto contra as falsas profecias industriais.

Partindo do que Damon e Krasinski -ingenuamente- têm a dizer sobre manipulação de uma indústria de gás natural numa pequena cidade do interior dos Estados Unidos, a micro trama de Terra Prometida sobre os conflitos modernos e a pacata vida interiorana acaba por refletir seu discurso muito mais na moral do homem (no caso, do personagem de Matt Damon), quanto às decisões sociais, em prol do próximo, do que arriscar-se em ser um cinema denúncia sobre o que costumeiramente acontece nas fronteiras desse eixo tratado no filme. De certa forma, a ingenuidade aqui acarreta no desenvolvimento tênue do cinema de Van Sant, que se torna uma conseqüência, principalmente, pela naturalidade com a qual a câmera do diretor vaga pela fábula e o terror social de personagens comuns, tentando sobreviver com o restante de dignidade que lhes resta. Já os aspectos ativistas se preenchem ao envolvimento pessoal dos atores, dando validade e honestidade as questões levantadas; sendo até uma singela homenagem aos trabalhadores interioranos que submergem as necessidades industriais após seus interesses terem sido supridos. Daquilo que os aspectos naturalistas do cinema de Van Sant têm a explorar junto a maturidade dos envolvidos, Terra Prometida se vê voltando no tempo e resgatando ideais sociais (e emocionais) de um personagem que imortalizado em Gênio Indomável. Ao passo que o desenvolvimento de Steve Butler (Matt Damon) em Terra Prometida é um espelho do amadurecimento de Will Hunting, o experimentalismo de Van Sant à custa de personagens comuns delineia as sensações agridoces de relações interpessoais adjunto aos conflitos pré-estabelecidos a elas, subvertendo, assim, o ideal documental do filme, injetando doses sutis de melodrama e mantendo a linearidade conspícua no tratamento humano e fiel dos personagens ali estudados.


Prezando sempre pela notoriedade dos sentimentos e da concepção do argumento, a melancolia carregada do cinema de Gus Van Sant encontra em Terra Prometida um equilíbrio necessário, que acaba por denotar não apenas a gentileza do diretor com o manifesto de Damon e Krasinski, que o acolheram ao projeto, mas também por ser um atestado da transição cinematográfica de um realizador que procurou nas peculiaridades sociais e humanas uma forma de transfigurar emoções notáveis ao público e exorcizar os dilemas compilados a trajetória da vida. Para além do que o cinema tem a oferecer na impressão de imagens com respostas aos questionamentos vivenciais, a visão de Gus Van Sant sobre a vida e sobre o cinema é na verdade um reflexo do que nós, e tampouco ele, conseguimos definir. É instável e inconstante -e nunca palpável-, mas há um sentido.


Terra Prometida (★★★★) 
Estados Unidos, 2012, 106 min
De Gus Van Sant
Com Matt Damon, John Krasinski, Frances McDormand e Hal Holbrook 



quinta-feira, 28 de novembro de 2013

[Crítica] Jogos Vorazes: Em Chamas


Vendido desde o início como sucessor (de qualidade) de Harry Potter, numa desnecessária e incompreensível tentativa de autopromoção, Jogos Vorazes, em seu primeiro ato, acabou por surpreender público e crítica, tornando a saga de Suzanne Collins uma febre mundial. Comandado por Gary Ross, a estréia de Jogos Vorazes nas telonas teve o aval imediato dos fãs e até mesmo o reconhecimento notório dos menos empolgados com sagas adolescentes. Deixando as beiradas prontas para uma seqüência, Ross tratou de utilizar das intenções da saga de forma bastante peculiar, expressando sua visão através do virtuosismo estético na construção dos planos e, principalmente, na exploração da câmera trêmula, observando as ações da heroína Katniss Everdeen - já iconizada pela personificação de Jennifer Lawrence.

O frisson gerado por elenco e filme foi tamanho, que a continuação da saga acabou sendo brindada com uns milhões de dólares a mais em seu orçamento, além de ter sua direção assumida por ninguém menos que Francis Lawrence (do ótimo Eu Sou A Lenda), visando claramente manter a assinatura de competência do estúdio. Conhecido por conduzir seus filmes como cartões postais, rigorosamente artísticos e de bom gosto, sem muito aprecio por diálogos verborrágicos, Lawrence estreou Em Chamas em grande estilo, já colecionando recorde mundial em bilheteria. Tentando traduzir os ideais políticos sem se abater muito pelo discurso (ou pela falta de liberdade), o diretor procurou manter-se fiel ao seu estilo e a adaptação (da superfície) do livro, o que por muito já faz de Em Chamas um filme além da média, porém que limita demasiadamente o potencial narrativo da trama e do realizador, deixando a sensação de algo além do apogeu oferecido. Ainda que as camadas de tensão sejam construídas de forma gradual, a se preencher com a atmosfera anêmica -e silenciosa- do cinema de Lawrence, que definem muito bem as sensações da protagonista, o compasso da ação subvertida e pontuada, adjunta ao desfecho de filme B, dão à impressão de que as intenções da trama sobressaem as de Katniss. Toda a vulnerabilidade da personagem quanto ao inferno astral que vivencia, e a transição amorosa do coming of age, acabam servindo apenas de subtramas pras elipses do que ainda está por vir.


Nem tanto pelo fato do que fica vago ou do que é explorado bruscamente pela edição e montagem, já que são compreensíveis as imperfeições de uma saga como Em Chamas, o que decepciona na realização de Francis Lawrence é a ideia de cinema de distanciamento; que se por um lado ajuda os coadjuvantes a sustentar seus personagens sem perder o charme e enfatiza o desenho estético do filme (que realmente é impecável), por outro expõe os conflitos de maneira bastante dimensional (longe de direcionar a intenção de um filme unidimensional como Em Chamas) e ainda coloca o diretor numa posição suscetivelmente impessoal em relação ao filme.

Jogos Vorazes: Em Chamas (★★★1/2) 
Estados Unidos, 2013, 146 min 
De Francis Lawrence 
Com Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Woody Harrelson, Donald Sutherland, Stanley Tucci, Sam Claflin






sexta-feira, 8 de novembro de 2013

[Crítica] M.I.A - Matangi


Não fosse o lançamento do /\/\/\Y/\, lá em meados de 2010, seria bastante cômico um disco como o Matagi surgir na discografia de M.I.A. Cômico, pois aos 38 anos a cantora ainda vem tentando firmar uma imagem (ou na verdade ela está brincando com sua própria imagem?) que desenvolvera ao longo de sua carreira –e que para a mídia musical se perdera no lançamento de Paper Planes- adjunto ao prestígio adquirido (com a mesma). De todo modo, Matangi, seu quarto álbum de estúdio, tem muito mais a dizer sobre M.I.A, não só por reverenciar seu nome, do que necessariamente sobre sua música ou seu estilo.

Em uma ótima entrevista a Pitchfork, a cantora revelou que suas referências iam além do que se ouve atualmente na indústria (mainstream). Além de ser seu nome, Mantangi se refere, também, a deusa da música. Por mais equivocada que sua declaração tenha sido, é curioso observar que toda a estrutura do Matangi surge justamente da plasticidade nata desse cenário (“if we’re gonna live once, why we keep doing the same shit?” – Y.A.L.A), e ao passo que a rapper se utiliza desses elementos (pop) para a construção autoral -e irônica- de seu estilo, como conseqüência, o disco adquire certas camadas (Come Walk With Me/Bring The Noize), que aos poucos se tornam a matriz do argumento levantado por M.I.A. E é as custas dos questionamentos sobre a flexibilidade dessas camadas (que na verdade se referem bem mais as declarações contraditórias da artista) que Mantangi se torna um álbum ímpar na discografia de M.I.A, principalmente, por ser igualmente fascinante e redundante. Ao contrário do que fora experimentado no incompreendido (e brilhante) /\/\/\Y/\, que possuía em todo o conceito pós globalizado uma acidez genuína, Matangi, apesar de ser concebido na sombra de seu antecessor, é bem mais um manifesto de M.I.A (Boom Skit) em relação a sua carreira e suas origens –compreendidos nos nuances de arabic pop e worldbeat em contraste as batidas recicladas do Kala e do Arular- do que uma crítica a indústria, ou uma extensão de seu ativismo popular (daí a ideia de que o disco possua uma áurea “espiritual”, como a própria disse em entrevista); que apesar de constituírem boa parte da arquitetura do disco, já não são mais a base para o discurso agressivo de M.I.A.



Ainda que Matangi possivelmente seja visto como um disco saturado e contraditório dentro da linhagem peculiar da construção imagética/estética de M.I.A -em função de sua (frágil) rebeldia-, não há como negar que, ao extrair de batidas eletrônicas acentuada densidade (Exodus/Know It Ain’t Right) -em grande parte à compilação distópica de elementos-, M.I.A, no ápice de sua genialidade, consegue captar toda a agressividade das canções num ensaio lírico que difere Matangi de seus outros trabalhos justamente por assumir essa posição polarizada. Como extensão daquilo que seu discurso aponta com convicção, Matangi é, em toda a difusão de gêneros e harmonização de batidas, um disco completamente maduro, não apenas pelo fato de M.I.A orquestrá-lo em auto-referência (“if you gonna be me, you need a manifesto”), mas por não distanciar suas inspirações das estratégias formulísticas de sua visão crítica, mantendo crível a honestidade sonora de sempre.

M.I.A - Matangi (★★★★) 
N.E.E.T Recordings/Interscope, Estados Unidos, 2013




quinta-feira, 7 de novembro de 2013

[Crítica] Capitão Phillips


"Andrea Phillips: Ok. Você está bem?

Capitão Richard Phillips: Sim.
Andrea Phillips: Você pensa que essas viagens se tornam mais fáceis, mas é totalmente o contrário.
Capitão Richard Phillips: Bem, me sinto da mesma forma.
Andrea Phillips: Eu sei que é isso que nós fazemos, esta é nossa vida. Mas parece que o mundo está se movendo tão depressa, tudo está mudando tanto.
Capitão Richard Phillips: Está mesmo. Vou te contar algo, não vai ser fácil para os nossos filhos. Eles estão crescendo em um mundo completamente diferente daquele que nós fomos criados.
Andrea Phillips: Pois é.
Capitão Richard Phillips: Sabe, nossos dois filhos estão se dando muito bem, mas eu me preocupo com Danny não levando a escola a sério. Eu odeio o ver perdendo aulas, pois quando ele crescer isso pode ser um problema na procura de trabalho, sabe? A competição lá fora. Quando eu comecei tudo era mais fácil se você se esforçasse e fizesse seu trabalho. Mas para os jovens de agora, as empresas querem algo rápido e barato. Cinquenta garotos competem pela mesma vaga. Tudo está tão diferente, girando rápido. Você precisa ser forte pra sobreviver a isso tudo.
Andrea Phillips: Eu entendo o que você quer dizer. Vai ficar tudo bem, não é?
Capitão Richard Phillips: Com certeza. Tudo vai ficar bem.
Andrea Phillips: Eu amo você.
Capitão Richard Phillips: Eu amo você também.
Andrea Phillips: Tenha uma viagem segura.
Capitão Phillips: Eu te ligo quando chegar."

É basicamente na análise desse breve e apreensivo diálogo estabelecido por Tom Hanks e Catherine Keener nos primeiros instantes de Capitão Phillips que Paul Greengrass constrói a tensão documental de um sequestro que argumenta além da crueza iminente do universo capitalista. Orquestrado com tremenda maestria, em âmbito a que as possibilidades dum exercício autodidata têm a oferecer, Capitão Phillips é exposto ao espectador a fim de permutar as camadas humanas através da agressividade impressionista do cinema do diretor.

Divido em dois atos que compreende a tênue do estilo -e da mão demasiadamente pesada de suspense-, o longa explora a mise en scène em função de um estudo que estabelece o espectador como parte dos acontecimentos ali documentados, colocando-o à mercê da personificação mítica de Tom Hanks e de sua consequente (des) construção heroica em cena. Não fugindo muito daquilo que já fora experimentado por Greengrass lá em O Ultimato Bourne e, principalmente, em O Vôo United 93, Capitão Phillips retoma as ideias do cinema documental em função de extrair dos personagens uma atmosfera realista, que capta toda a tensão do homem como objeto da ação subvertida de diálogos retos, definindo a intenção da imagem e dos fatos conseqüentes da trama, independente de sua previsibilidade. Por de trás das camadas estéticas, e dum emaranhado de elementos básicos de suspense, Greengrass esconde uma faceta melodramática que é compreendida justamente na utilização do homem e sua luta por sobrevivência como matriz de seu cinema. A agressividade introspectiva, nítida nos cortes bruscos e nos planos trêmulos, quase como uma narrativa a parte do filme, confundida muita vezes como frieza calculada, caracteriza, na verdade, a harmonia de sentimentos entre o homem e o cinema, explorada em Capitão Phillips pela personificação inquieta e pelos olhos preocupados de Tom Hanks (em perfeita representação do homem -de família- americano).


Ainda que acometido pelo equívoco da autoafirmação do diretor (que pra mim já havia sido confirmado lá em O Ultimato Bourne), a perspectiva da relação dicotômica do homem e o meio -independente da moral e dos maniqueísmos sociais- transforma os impulsos desses sistemas (de cinema) de Greengrass em conceito àquilo que a nova geração de cineastas vem absorvendo de fórmulas que se utilizam de arquétipos utópicos, esquecendo que a harmonia de uma trama se encontra especificamente no diálogo entre o homem e o cinema. Para além do espetáculo -visual e sonoro- que Greengrass nos proporciona em Capitão Phillips, há nas beiradas uma preocupação em legitimar o cinema não apenas como arte, mas como força vital aos processos de transição do homem e da natureza.

Capitão Phillips (★★★★) 
Estados Unidos, 2013, 134 min
De Paul Greengrass
Com Tom Hanks, Barkhad Abdi, Catherine Keener, Barkhad Abdirahman, Max Martini
-Visto no UCI Palladium - Curitiba, em digital, como convidado da Espaço-Z. 



quarta-feira, 6 de novembro de 2013

[Crítica] Amor Bandido


Desde sua estreia com Shotgun Stories (2007) Jeff Nichols vem captando os olhares para o desenvolvimento narrativo autoral e dinâmico de seus filmes. Acometidos sempre pela tenuidade típica do cinema independente dos Estados Unidos, os filmes do diretor se sobressaem essencialmente pela captura de imagens com tonalidades delicadas e praticamente de olhar clínico das fábulas interioranas por ele concretizadas. Seu novo longa, Amor Bandido (tradução constrangedora para Mud), chega finalmente ao país, depois de rodar festivais e quase ser esquecido no circuito nacional, colocando Nichols em evidência ao tratar com brutal maestria uma das temáticas mais exploradas pelo cinema alternativo, o coming of age, que nas mãos do diretor encontra uma nova roupagem num estudo peculiar e de abrangência, tratado com distinta e emocionante honestidade.

Partindo de uma construção autobiográfica, em referência as frustrações juvenis do próprio diretor, Amor Bandido narra à história de dois amigos, Ellis (Tye Sheridan) e Neckbone (Jacob Lofland), que sobrevivem à pacata vida interiorana procurando aventura em lugares isolados da pequena comunidade em que vivem. Numa viajem a uma pequena ilha ao redor do rio Mississippi eles encontram um barco preso a uma árvore em meio à floresta, provavelmente, preso em função de uma enchente, o qual logo resolvem tornar de sua posse. Ao adentrar o que se assemelha a uma típica casa na árvore, os dois notam que alguém está vivendo ali, quando, então, um homem misterioso se aproxima. Mud (Matthew McConaughey, em outra performance impecável), o tal homem, se apresenta aos garotos, revelando que cresceu ao redor dali. Percebendo a ingenuidade dos jovens e sua intenção quanto ao barco, Mud vê a oportunidade de oferecê-lo em troca de comida (e um pouco de companhia também). Não demora muito para que Ellis -que na verdade se utiliza das aventuras junto do amigo como uma válvula de escape dos problemas familiares e da difícil fase de transição a qual vem em silêncio passando- seja envolvido pela trama de Mud, cuja figura se torna um espelho, tanto pelas histórias fora da lei que o estranho homem lhe conta, quanto por sua relação amorosa com uma bela mulher de nome Juniper (Reese Whiterspoon). Ao passo que, a partir da curiosidade de Ellis, a história se desenvolve numa dinâmica entre o coming of age, o romance e o crime, é interessante ver como a construção do suspense nessa atmosfera interiorana, semelhante a um western contemporâneo (sofisticado), ganha plenitude no tratamento sutil de Nichols, que se utiliza da inocência como moral para a mitificação do amor e das barreiras criadas pelo homem; contraste dado -principalmente- nos planos e contra planos de Tye Sheridan ao lado de Matthew McConaughey.



Se lá em O Abrigo (2011) a iminência da loucura do homem era o plano central na desenvoltura estética do cinema de Nichols, que se fazia justamente na construção imagética dos anseios psicológicos de Michael Shannon, em Amor Bandido, antes de qualquer coisa, há uma preocupação em manter a alma do filme intacta de qualquer experimento que se realize das possibilidades do campo/contra campo cinematográfico. E essa posição a qual Nichols se coloca para explorar suas intenções nos mínimos detalhes se assemelha muito a proposta de Martin Scorsese em Hugo, não sendo a toa que o culto comercial de seus filmes tenha sido potencializado aqui. Dos códigos narrativos ao brilhante trabalho realizado junto ao elenco, esse cinema de Jeff Nichols representa, em toda sua beleza, uma humilde ingenuidade que se completa a de seus personagens, derivados do espelho clássico/contemporâneo de nomes subestimados pelo cinema moderno hollywoodiano, contemplando sua autoria e mantendo-se crível a tênue ficção/realidade de (melo) dramas cotidianos. 

Amor Bandido (★★★★1/2) 
Estados Unidos, 2012, 130 min
De Jeff Nichols
Com Matthew McConaughey, Reese Witherspoon, Sam Shepard, Tye Sheridan, Michael Shannon, Jacob Lofland





sexta-feira, 1 de novembro de 2013

[Crítica] Arcade Fire - Reflektor



É curioso como a cada novo disco as expectativas geradas pelos fãs e pela blogosfera independente em torno do Arcade Fire os colocam num patamar de banda imaculada do cenário alternativo. Talvez o maior álbum da banda, talvez o menor álbum da banda, diversas são as questões levantadas quanto à validade de seu som. Todavia, o que se sabe a respeito do quarto álbum de estúdio do Arcade Fire, Reflektor, é que sua música já não pertence mais ao nicho alternativo no qual surgiu e, ao explorar a globalização generalizada de elementos sonoros no disco, eles assumem uma nova (e compreensível) faceta, que já vinha sendo moldada desde seu antecessor, The Suburbs. 

Reflektor é divido em dois atos. No primeiro ato, a banda retoma ideias anteriores de seus álbuns (especialmente o Funeral, de 2004) para mesclar elementos do indie rock da banda com sons atuais da música (eletro) pop, mesmo que, em boa parte, utilize-se de referenciais dos anos 80 (David Bowie, que participa da faixa título, talvez seja a maior influência aqui) para manter a linha vintage e sofisticada da estética de seu som. Já em seu segundo momento, o disco propõe-se a explorar uma versatilidade um pouco mais dinâmica dos (des) encontros vocais de Régine Chassagne e Win Butler, que continuam a brincar com seu relacionamento off stage nas canções, mas sempre intensificando o potencial sonoro do disco, visto, principalmente, em faixas melodramáticas (Afterlife / Supersymmetry), ou na brincadeira estética das vertigens do neo noir numa balada romântica marginal (Porno). 


Sendo o disco um estudo das possibilidades que o sucesso crítico e de público trouxeram para a banda, a busca realizada pelo Arcade Fire em Reflektor se concentra em desmistificar o suposto virtuosismo pragmático no qual eles se conceberam. E para além das influências ou das simbologias subvertidas em (muitas de) suas canções, a composição sonora aqui surge dum ideal (sonoro) próprio da indústria fonográfica, mas que, numa ousadia esperta da banda, é transformado num exercício/estudo estético em que os gêneros e subgêneros às canções compiladas são perpetuados em função de uma (auto) generalização, sem desprendê-los da essência que os fez emergir ao aclame mundial. 

Ao passo que as intenções dessa nova roupagem que a banda aderiu ganhem significado numa atmosfera contemplativa e bastante singela de canções que soam como verdadeiros hinos de uma geração (Reflektor / We Exist / It’s Never Over (Oh Orpheus)), Reflektor vem não apenas para denotar momentânea nostalgia para os fãs, mas eternizar de vez o nome da banda no cenário musical (pós globalizado), distinguindo-os justamente pelo fato de serem indefiníveis. Não há mais o que se questionar a respeito do Arcade Fire.

Arcade Fire - Reflektor (★★★★) 
Merge/Sonovox Records, Estados Unidos/Inglaterra, 2013





sexta-feira, 25 de outubro de 2013

[Crítica] O Conselheiro do Crime


Sendo Ridley Scott o responsável por uma das odes feministas mais importantes do cinema, e levando em conta que sua carreira não esteja em seu melhor momento, é bem propício um filme como O Conselheiro do Crime surgir em sua filmografia como uma tentativa de resgatar o prestígio perdido (?) pelo diretor explorando uma temática que o próprio ajudou a formalizar.
Ao viés do que o texto de Cormac McCarthy tem a ser expresso pela (des) construção sistemática de uma violência subvertida, parecida com àquela de Onde Os Fracos Não Tem Vez, obra prima de Joel & Ethan Coen em parceria com o próprio, a trama de um advogado (Michael Fassbender) que se envolve com o tráfico de drogas e se encontra num dilema moral e intrínseco a respeito de suas escolhas e das consequências que terá de enfrentar tem divergência numa subtrama onde Cameron Diaz, em todo seu potencial femme fatale, reitera à ambição feminina e trás à tona, numa personificação contraditória, uma ideia semelhante (e conturbada) à de Thelma & Louise, onde o texto de McCarthy sobre as mulheres é mitificado a cada ação da vilã. E não é a toa que as participações de Brad Pitt, Javier Bardem e Penélope Cruz sejam meramente exploratórias para a catalisação da trama paradoxal de Fassbender e Diaz nesse contexto. Ainda que isso tudo soe interessante quanto superfície, a mão excessiva e descontrolada de Scott em tentar a qualquer custo, por intermédio da pretensão estética intencional que seus outros filmes denotaram com questionável competência na história do cinema, do noir de Blade Runner e o contraste de universos que em O Conselheiro do Crime é explorada numa hipócrita contraposição de ambientes luxuosos com imagens de favelas e desertos mexicanos, está sempre a um passo em frente à legitimação do cinema do diretor.
Ao passo que somente ao final banalizado do filme encontramos um resquício de competência e controle da imagem, o caminho escolhido por Scott para se chegar até ele é ostentado por uma seriedade que não sustenta os códigos narrativos de McCarthy ou a mise en scène dos diálogos cravados pelo elenco.
Servindo apenas de muletas para uma relação praticamente tragicômica entre o contexto cinematográfico e realista/ficcional da trama arquitetada por McCarthy e Scott, o elenco de O Conselheiro do Crime parece ter saído de um soft porn kitsch, agindo feito contradições ambulantes, num universo (sexual) que se quer ser circunspeto, porém que é conduzido a um final onde Michael Fassbender, em seu pior momento, caminha desolado e arrependido entre uma multidão de mexicanos que protestam contra a violência sofrida pelos jovens latinos (no tráfico de drogas) (!!!). Coisas de Hollywood...

Estados Unidos/Inglaterra, 2013, 117 min
De Ridley Scott
Com Michael Fassbender, Cameron Diaz, Brad Pitt, Javier Bardem, Penélope Cruz




quinta-feira, 17 de outubro de 2013

[Crítica] Kick Ass 2


I'm Hit Girl, bitch!

Sequências de filmes moderadamente bem sucedidos sempre deixam o espectador na expectativa de serem surpreendidos. “Kick Ass”, quando fora lançado em meados de 2010, instantaneamente, transformou-se numa pérola pop; isso, claro, graças à condução perspicaz e o controle narrativo do brilhante Matthew Vaughn, que volta à seqüência – para o desespero dos fãs - apenas como produtor, deixando o trabalho sujo nas mãos do limitado Jeff Wadlow, diretor cujo currículo se resume em reciclar idéias alheias na tentativa de conseguir algum prestígio como lucro.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

[Crítica] Serra Pelada


Não é por acaso que se foram mais de 30 anos até que alguém se arriscasse a fazer um filme sobre a corrida do ouro brasileira no que já foi o maior garimpo a céu aberto do mundo, a Serra Pelada, localizada no estado do Pará. Sobrecarregado desde o início com a missão de contextualizar a época, o garimpo e a trama que nela se desenvolve, o corajoso (ou oportunista?) Heitor Dhalia, dos questionáveis “Nina” e “À Deriva”, estréia “Serra Pelada” nesse fim de semana, em todo país, em meio a um turbilhão de questionamentos sobre sua capacidade quanto realizador, mas em celebração ao momento atual do cinema nacional.

[Crítica] Lorde - Pure Heroine



“All the double-edged people into schemes. They make a mess, then go home and get clean. You’re my best friend and we’re dancing in a world alone. A world alone, we’re all alone.”

Ao contrário da equivocada análise de que Pure Heroine se trata de uma crítica pessoal de Lorde à manipulação massiva da mídia sobre os jovens da era digital, é mais interessante (e vantajoso) analisá-lo como uma subversão desse engodo analítico, banalizado em canções pop auto ajuda que ela abraça sem medo algum, para entender que, de fato, o álbum é concebido pelo devaneio existencial da cantora, num ritual de passagem. E essa faceta, pressuposta em todo álbum pelo melancólico synth pop orquestrado por Joel Little, só é compreendida ao seu fim, com “A World Alone”, faixa acentuada num ritmo dark wave/dream pop próximo ao The XX, que contextualiza o que ela inicia em “Tennis Court”; ao tratar abertamente da juventude inconsequente congênita da era da informação e por contrapor a brincadeira feita em “Royals”, carro chefe do álbum, na qual ela proclama o desejo de apenas sonhar (we’re driving Caddilacs in our dreams), diferente da visão realista e intrínseca ao fim de “A World Alone”, onde ela se encontra aterrorizada pela solidão iminente da transição adolescente para a fase adulta (we’re dancing in a world alone).

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

[Crítica] Gravidade


Os olhos contemplam a vida

Talvez o filme mais esperado do ano, o enérgico novo longa de Alfonso Cuarón, chega aos cinemas brasileiros prometendo ser uma das experiências visuais mais inacreditáveis e belas dos últimos anos. Tamanha expectativa é compreensível, dado que os detalhes conhecidos sobre o filme o transformam nesse objeto imaculado do cinema de ficção científica, na qual a curiosidade imediatamente se torna protagonista.


domingo, 6 de outubro de 2013

[Crítica] R.I.P.D. - Agentes do Além

O sucesso de “Red – Aposentados e Perigosos” trouxe à Robert Schwentke moderado prestígio de público e crítica. Como consequência, “R.I.P.D. – Agentes do Além”, seu mais novo projeto, teve a responsabilidade de continuar a arrecadar bons elogios da imprensa especializada e, pelo alto orçamento, conquistar as bilheterias internacionais. O planejamento de Schwentke não foi tão bem sucessido desta vez. O longa baseado no comic book de Peter M. Lenkov não só foi um fracasso no box office, como também recebeu críticas negativas pela falta de substância cinematográfica na visão animalesca de Schwentke.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

[Crítica] Invocação do Mal

Clap Clap!

Banalizado quanto gênero, os filmes de terror, principalmente americanos, se tornaram uma espécie de nicho que se utiliza de uma mesma fórmula e elementos clássicos – casas mal assombradas, possessões demoníacas, fantasmas em fotos e espelhos – para arrancar sustos fáceis da audiência e, obviamente, gerar bilheterias monstruosas de baixos orçamentos. James Wan, que assume o suprassumo do momento, “Invocação do Mal”, é mestre quando o assunto é tornar baixos orçamentos em montes de dinheiro. Mas, mais do que isso, o diretor tem, também, redirecionado o gênero pra uma forma íntima e que faz jus aos grandes filmes - propriamente – de terror.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

[Crítica] O Ataque

Magic Mike na Casa Branca

É no mínimo curioso você dar de cara com um filme como “O Ataque”, dirigido pelo especialista em desastres, Roland Emmerich, afinal, o diretor não quer mais destruir o mundo por diversão, tampouco levantar bandeiras políticas, mas sim trazer o melhor que o entretenimento clichê canastrão hollywoodiano possa oferecer com esperteza e uma boa dose de pensamento crítico patriótico.

“Começa como um dia qualquer”, diz a frase de efeito estampada em todos os cartazes do filme. Simples afiguração metafórica, base na qual o longa de Emmerich se transforma, lentamente, num espetáculo de ação, através da trama de um agente, John Cale (interpretado por um estupendo Channing Tatum), cuja figura paterna encontra sua analogia junto à imagem de um presidente pacífico impotente, James Sawyer (o sempre ótimo Jamie Foxx), de boas intenções, que se vêem diante de uma relação dicotômica do homem e o extraordinário, numa esperta análise de Emmerich para as motivações que levam seu filme a se tornar aquele parente próximo de “Duro de Matar”. E não bastasse a leveza subvertida com a qual o drama mescla a ação do filme, “O Ataque” encontra tempo pra se auto homenagear, colocando o símbolo máximo de poder dos Estados Unidos, a Casa Branca, que já fora explorada num outro longa do diretor, à deriva de um ataque terrorista planejado por indivíduos do próprio sistema, deixando claro que não se trata mais de capital, controvertendo o sentido anti iluminista, e transformando o significado do próprio blockbuster, que por sua vez, se torna um argumento á mercê de uma análise mais profunda e pessoal do diretor. 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

[Crítica] Amor Pleno


Um comercial (extendido) de produto higiênico

O ano realmente não está fácil para diretores que vinham de obras cultuadíssimas por crítica e/ou público. A começar pelo novo longa de Derek Cianfrance, O Lugar Onde Tudo Termina (The Place Beyond The Pines), que apesar de ter sido tão bem recebido por público quanto o estupendo Namorados Para Sempre (Blue Valentine), pouco fez jus ao que seu antecessor havia deixado como promessa. Outro diretor que parece ter perdido seu brilho foi Nicolas Winding Refn, com o péssimo Only God Forgives, uma espécie de experimentação do exercício de estilo feito no orgasmo cinematográfico de 2011, Drive. E a grande surpresa desse seleto grupo foi Terrence Malick, com Amor Pleno (To The Wonder), que entrou em cartaz no país nesse último final de semana, que não só fez seu pior filme, mas também o pior uso de um cinema que ele mesmo ajudou a popularizar.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

[Crítica] O Grande Gatsby


Meu primeiro contato com um filme do Baz Luhrmann foi em meados de 2010, após ter lido “CINEMA – Entre a realidade e o artifício”, de Luiz Carlos Merten, onde um capítulo é dedicado ao futuro do cinema digital. O filme em questão era Moulin Rouge, que eu já tinha ouvido falar, por ter sido indicado ao Oscar, e por ser o grande divisor de águas da carreira do diretor.
Confesso que o filme não me agradou da maneira como esperava – ainda mais por se tratar de uma obra tão cultuada por críticos e amigos próximos e por envolver tanto a cultura pop que muito me cativa.
Desde seu primeiro longa ficou claro que a proposta de Lurhmann era estudar a relação de personagens desafortunados no amor, que se perderam num determinado espaço/tempo e, juntos, tentam reencontrar um ao outro e a si mesmos.  Seria funcional se o argumento em seus filmes encontrasse naturalmente o seu “cinema alegórico”, e não com a discrepância que vemos em filmes como Romeu & Julieta e no atual O Grande Gatsby.