O Lutador e Cisne Negro (as duas
obras primas incontestáveis de Aronofsky) continuam bastante recentes, logo é
compreensível que o diretor se arrisque num projeto tão ambicioso como Noé, que
para além de ser um conto bíblico universal, é uma história de cunho cinematográfico
inflexivelmente ousada. Como
o próprio diretor disse numa entrevista, até mesmo para ele a escolha de um
filme como Noé soa estranha. Mas, no entanto, é no mínimo curioso ver como
Darren Aronofsky se apropria do ideal do blockbuster hollywoodiano a fim de
perpetuar um dos tantos exercícios de Cinema que ele já rendeu (com maestria,
por sinal), e que aqui ganha um contorno quase refinado dentro daquilo que o
diretor já se mostrou capaz. Vi algumas pessoas criticando (pré julgando, na
verdade) o culto feito a Noé no filme em questão, mas vale lembrar que o longa é
vagamente inspirado na estória bíblica (e não existe absolutamente nada de
Ridley Scott na visão de Darren, como algumas pessoas vem pontuando). O que
Darren e – principalmente – Crowe constroem aqui é tão somente uma reflexão de
ensinamentos arcaicos sobre uma sociedade contemporânea.
Tal como se era esperado, Noé é
um filme que parte do princípio do entretenimento. E não há nenhum problema
nisso, já que, pelo contrário, é um dos motivos que impedem o filme de se
tornar uma sessão didática enfadonha. Porém, existe um conflito muito
perceptível entre a narrativa do filme e as ambições de Aronofsky com ela, que
levam tanto a dramaticidade do elenco coadjuvante quanto a tentativa do mesmo
em ser complexa à precariedade. E esse conflito começa justamente quando o
filme é apropriado do estilo de Aronofsky, numa estrutura convertida de Pi, que
projeta uma densidade que nunca é culminada pela trama (como no recente 12 Anos
de Escravidão), cabendo a Russell Crowe (que por sinal está em seu melhor
momento desde... O Gângster?) compreender e (des) construir seu personagem à
medida que suas escolhas se tornam mais humanas e menos divinas. Crowe se livra
de seus limites e entrega um Noé sereno, contido e complexo até (que de certa
forma me leva a crê-lo como um alter-ego de Aronofsky no que diz respeito à
transição dramática que se vem observando com os já citados O Lutador e Cisne
Negro). Aronofsky possui substância e controle suficiente da tênue que concerne
os gêneros cabíveis a seus filmes, o que facilmente os levam a se fundirem em
cena sem nunca soarem exagerados ou baratos, mas em Noé o diretor parece ostentar uma
versão comercial de si mesmo. Ainda que bastante
contemplativo, os meandros da narrativa e a diluição do argumento parecem andar em caminhos opostos, e o filme a todo o momento potencializa a cinematografia -querendo
ser visceral- mas não correspondendo-a da forma como se é esperada, compenetrando
o que se resulta num exercício de estilo tão fácil quanto engenhoso.
Não mais que um filme a fim de
formar discussões, reflexões e questionamentos por inúmeras –e equivocadas-
razões (como concretizou Ninfomaníaca do Lars von Trier), Noé acaba sendo para
os mais assíduos fãs de Aronofsky apenas uma experiência curiosa, ou
decepcionante; e para os religiosos de plantão um motivo a mais para se
apropriar das mídias sociais com argumentos que nunca vão refletir na proposta
cinematográfica do diretor. Falem bem, falem mal, mas falem sobre mim.
Noé (★★★)
Estados Unidos, 2014, 138 min.
De Darren Aronofsky
Com Russell Crowe, Jennifer Connelly, Emma Watson, Logan Lerman, Anthony Hopkins, Douglas Booth