segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Operação Big Hero

Posso estar enganado (ou acho que ando mesmo é desanimado com o mercado como um todo), mas tenho a impressão que 2014 foi um ano bastante anêmico para as animações, principalmente porque depois do estrondoso sucesso de Frozen e Lego, quase nenhuma animação conseguiu ao menos manter-se na memória do espectador (talvez uma ou outra; p.ex. Como Treinar Seu Dragão 2). No entanto, a grande aposta nesse fim de ano se volta novamente para a Disney. Operação Big Hero  foi guardado a sete chaves e, mesmo assim, ainda é um exemplar animalesco sem a graciosidade dos grandes filmes da Pixar.

Vendido como uma espécie de homenagem aos super heróis (do Stan Lee, principalmente), a proposta de misturar Hollywood com mangá é até bem bacana. O problema é que o filme não vai além disso; duma homenagem singela e bonitinha, meio minimalista em detalhes e toques dramáticos. Talvez funcional na mão de um Brad Bird ou Andrew Stanton, que sabem transformar pequenos microcosmos em verdadeiras obras de arte, mas o que dupla de estreantes contratados da Disney orquestra aqui é um trabalho que não vai além do convencional (o que não é necessariamente ruim, a propósito). Talvez porque essa fórmula de referência pop + humor dosado já esteja meio saturada no cinema como um todo, mas o problema é que o filme é o mais previsível possível. Um lançamento certeiro se lançado uns 2 anos atrás, mas que hoje não passa de um entretenimento efêmero.
Embora os personagens tenham uma áurea muito doce e ingênua, principalmente por levarem a sério esse lance de desejo de vingança na carcaça de um super herói , o roteiro do filme não faz muita questão de trabalhar a essência infantil acoplada à fantasia desses universos para além da superfície. Um pouco preguiçoso talvez, ou meramente um filme que busca manter os cofres da Disney cheios, Operação Big Hero 6 surge unicamente como uma experiência agradável, se você não pensar muito nele.

Estados Unidos, 2014, 108 min
De Don Hall & Chris Williams
Com Ryan Potter, Maya Rudolph, Scott Adsit, Jamie Chung

O Abutre

Essa semana terminei de ver o box de film noir da Versátil. Bela compilação de filmes, aliás, que consegue traçar uma linha bastante peculiar desse fenômeno do cinema americano dos anos 40 e 50. Obras como Anjo do Mal e Cúmplice das Sombras que, mesmo injustiçadas pelos críticos que parecem só ter dado atenção à elas num apanhado dos realizadores envolvidos, continuam irretocáveis e tão atuais quanto estudos sociológicos. Apesar da resistência em considerar o film noir um gênero, até hoje a fórmula é usada para retratar o espírito moral e crítico da sociedade contemporânea. Um dos exemplos mais recentes é o neo-noir O Abutre, primeiro longa de Dan Gilroy, que anda papando alguns prêmios da crítica americana e dando chances reais à Jake Gyllenhaal de conseguir uma nomeação ao Oscar.
Se a estética noir traçava através dos homme fatales/femme fatales e outros tantos personagens arquétipos um panorama subjetivo-metafórico dos alicerces sociais, os neo-noir, por sua vez, não escondem suas reais intenções. Os anti-heróis são vilões mesmo, e boa parte deles movidos pelo capitalismo. Em O Abutre, a estética neo-noir entra num contra plano dos filmes policiais dos anos 80. Um protagonista psicologicamente desajustado contrapõe com o visual sobrecarregado -de cores e densidade imagética- duma Califórnia noturna e violenta. Movido pelo único interesse em sobrepor-se à cadeia alimentar do capitalismo, o protagonista é a personificação -visual e moralmente- asquerosa das grandes mídias jornalisticas que sensacionalizam a carnificina sem um pingo de culpa.
A produção carreirista (leia-se: produção papa prêmios) dos irmãos  Dan & Tony Gilroy tem todos os elementos necessários para a construção duma trama sobre o vilão americano e a matriz dos alicerces da cultura capitalista americana (e nesse ponto o filme muito se assemelha à obra-prima dos irmãos Coen, Onde Os Fracos Não Tem Vez). Porém, o grande equívoco aqui é pensar o filme como a própria mídia, ou seja, através do sensacional(ismo). Numa narrativa carregada de didatismos sociológicos de senso comum sobre capitalismo e hierarquia de poderes, o filme já peca por fetichizar os ideais de seu protagonista. E, para além disso, ele transforma a ação da imagem numa imagem semelhante à um jornal local. Essa construção moral do filme baseada no espetáculo visual pode até acender uma chama de visceralidade que se quer se espalhar, de fato, mas isso tudo sem o menor pingo de consciência da imagem cinematográfica deixa-o completamente oco e inflexível à estética que exprime. Talvez essa abordagem tenha algum efeito nos mais assíduos da crítica, que adoram esse tipo de violência gratuita com uma premissa emblemática, mas falta muito do tato para se entender a relação da imagem e estética aliada ao estudo dum personagem que tem sido resgatado dentro da vertente do noir por cineastas contemporâneos ao cinema dos anos 40 e 50; ou 70 e 80 também. 

O Abutre ()
Estados Unidos, 2014, 117 min.
De Dan Gilroy
Com Jake Gyllenhaal Rene Russo, Bill Paxton, Riz Ahmed





sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

As Aventuras de Paddington

Eu não sabia da existência de Paddington até pouco antes da sessão. Muito menos que o ursinho simpático e ingênuo era um grande sucesso na Europa, até porque, logo que vi o cartaz do filme pensei se tratar de uma versão inglesa do Ted. Felizmente, a surpresa foi outra (embora quem duble o protagonista aqui seja o Danilo Gentili). Como uma (re)atualização de Stuart Little, o filme de Paul King acaba servindo como um retrato do cenário Europeu atual, que anda sancionando leis e criando demandas de imigrantes em seus países -em especial a tão sonhada Londres de Paddington no filme. 
Nesse sentido, pensando o live action animado como um filme expressamente político, a adaptação do livro de Michael Bond se faz bastante crível. Porque, para além do sonho do urso órfão que almeja chegar na terra prometida [Londres], o roteiro sabe pintar bem as cores dos estigmas desses personagens que ao chegar em seu ponto de destino acabam sentindo o real choque cultural de países como o da rainha, onde predomina a ideia do imigrante que vem para tomar seu espaço privilegiado. Além disso, Paddington sobressai seu contexto infantil, mesmo que no filme fique bem claro qual é seu público alvo.

Entretanto, se mesmo um filme simpático e, de certa forma, relevante, ao explorar uma vertente estética peculiarmente funcional no cinema de Wes Anderson, que permeia o lúdico através dum olhar clínico para o emocional de suas personagens, Paddington trás inúmeros equívocos latentes e soluções risíveis sobre tal temática. Sem muito tato para o realce emocional dos personagens que configuram o tema, e profundidade na abordagem dos mesmos, o filme opta pelos previsíveis clichês de contos-de-fábulas, principalmente pela similaridade que esse tipo de história desperta no público.
Embora Paddington tenha em sua carcaça uma consistência natural sobre um determinado legado, a opção por caricaturas ocas para expressar seu valor artístico e cultural acabam o transformando num mero e efêmero retrato tal qual inúmeros de seus predecessores, sem que exista um real interesse de transformar a simbologia de sua história numa reflexão sobre afeto, superação, sonhos e preconceitos. 

Inglaterra, 2014, 95 min.
De Paul King
Com Sally Hawkins, Nicole Kidman, Ben Whishaw, Hugh Bonneville, Julie Walters


quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Amor, amizade ou revolução (?)

Fim de ano é aquela correria. Apesar das poucas estreias que me chamaram a atenção nessas últimas semanas (ainda não tive a oportunidade de ver Debi & Lóide 2), e mesmo com a falta de tempo que ando tendo pra escrever sobre filmes (queria tanto falar do box da Versátil lançado com 6 clássicos noir!), queria deixar aqui, pra não me sentir mal com o blog andar nos últimos meses às moscas, um breve comentário sobre alguns filmes que tiveram estreia essa semana no Brasil.

Elsa & Fred ()
Michael Radford, Estados Unidos, 2014
Não tive a oportunidade de ver o original argentino de Elsa & Fred, porém muito me agrada a consciência de Michael Radford em seu remake americano. Dessas pérolas sutilmente divertidas e emocionantes, o filme, que é muito mais uma reflexão sobre como Hollywood enxerga o envelhecimento, trás consigo -para além da singela homenagem ao A Doce Vida de Fellini- um reverencial olhar ao amor sem dimensões, que se eterniza em sua pura forma através do encantador casal protagonista. Ainda que um tanto quadrado em sua estrutura de comédia romântica "pra terceira idade", existe casal mais simpático que MacLaine e Plummer no cinema em 2014?

Os Amigos ()
Lina Chamie, Brasil, 2013

Da safra de filmes nacionais sendo lançados em meio ao turbilhão de produções americanas que ganham praticamente todas as salas de cineplexes e cinemas convencionais, Os Amigos, de Lina Chamie, foi um dos poucos filmes que eu fazia questão de ver (até pelas inúmeras inconveniências que ocorreram pro filme ser exibido aqui). Infelizmente, ficou só a expectativa. Chamie acaba sendo uma espécie de poeta sem tato pro lírico. O filme mais parece um ensaio sobre como escrever um roteiro do que uma experiência contemplativa. Mesmo com um ótimo elenco em mãos (Marco Ricca e Dira Paes, maravilhosos), o resultado beira o amadorismo acadêmico costumeiro desse tipo de produção. Uma pena.

Jogos Vorazes: A Esperança - Parte 1 ()
Francis Lawrence, Estados Unidos, 2014
 
Incontestável sucesso de bilheteria, consequente do exacerbado número de salas em exibição, a primeira parte do último ato de Jogos Vorazes é contrariamente o pior momento da saga. Um filme que não funciona muito bem como prelúdio, nem como suspense. Mesmo sendo um bom diretor, Francis Lawrence não sabe exatamente o que fazer com a apatia de sua protagonista nesse momento tão decisivo da pré-revolução. Apesar de umas boas intenções, o longa não consegue condensar a atmosfera anticlimática, a ponto de que todas as resoluções tendem a ser levadas a um mero capricho dos mais assíduos fãs da saga, que já deram a entender que esse se trata do momento mais assertivo quanto adaptação. Embora seja sempre bom ver Julianne Moore em cena, fica a expectativa que Lawrence contorne o obviês do romance (e dos discursos "revolucionários") do último ato com a parte II no próximo ano.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

[Crítica] Interestelar


Eu sempre fui defensor dos trabalhos do Christopher Nolan.  Apesar de o achá-lo bem mais um maestro que um grande diretor, e ao contrário do que eu li na época, considero até mesmo o último Batman um bom filme dentro de suas irregularidades. Aliás, boa parte dos filmes do Nolan se constrói através de irregularidades, o que nunca impediu a boa recepção deles. A mão firme pra ação sempre conseguiu contornar os equívocos e erros que suas narrativas sempre carregam, e talvez esteja aí o seu brilhantismo quanto maestro do cinema comercial.

Eu não cheguei a ler muito a respeito de Interestelar. Lembro ter visto alguma coisa no começo do ano sobre a escalação do elenco e dos mimos de orçamento, que encheriam os olhos de qualquer estreante, mas não fiz muita questão de saber sobre o que, de fato, o filme se tratava. As comparações inevitáveis com 2001 – Uma Odisseia no Espaço logo começaram a surgir, e Nolan até as usa como condução de seu espetáculo aqui (não só pelos mesmos 169 minutos de duração de ambos os filmes). Sem grandes expectativas, fui pra sessão esperando ao menos ser entretido pela boa dose de ação que sobrecarregam as produções nolanianas. Inesperadamente, nos primeiros minutos do filme eu até pensei estar diante de um cara que pensa o cinema com delicadeza. A atmosfera otimista de ficção científica meio aventureira a lá Spielberg sob um planeta empoeirado em pleno colapso me deixou bastante contente no começo, mas logo o filme ganha aquele tom pesado e os personagens deixam de ser eles mesmos pra tentar dar sentido a textos e mais textos sobre o tempo e a gravidade e o que move o universo. Uma baboseira sem fim.

Mas bem, já que se trata de um filme que se pretende ser uma experiência deslumbrante, os diálogos pouco importam, né? O problema é que nem mesmo em seu campo de conforto (ou seja, na firmeza da ação e construção de um espetáculo visual e sonoro, etc) Nolan parece conseguir extrair alguma coisa promissora.  Primeiro porque querer ser sutil e botar Hans Zimmer tentando traduzir a eloquência de 2001 e sua irretocável composição clássica é uma das heresias mais absurdas de todos os tempos. Segundo, o filme não tem uma sequência de realmente encher os olhos. Pra piorar, nem mesmo o elenco consegue dar um suspiro de relevância à bagunça de ver Nolan filmando uma pretensão sem limites. McConaughey, no entanto, é o único que sai ileso do concerto defasado de autopromoção do elenco (Caine, Chastain, Damon, Hathaway...). Infelizmente, não houve muito que experimentar aqui. Não fosse tamanha a preocupação em dar sentido à trama (que nunca é bem explicada e interessante, de fato), talvez o filme se tornasse um pouco mais suportável. Se por um lado é plausível que Nolan queira se firmar um dos realizadores que mais experimenta a fórmula do cinema comercial, por outro ele deixa cada vez mais evidente o quanto é questionável sua posição de suposto grande autor de Hollywood.



Interestelar ()
Estados Unidos/Inglaterra, 2014, 169 min.
De Christopher Nolan
Com Matthew McConaughey, Jessica Chastain, Anne Hathaway, Matt Damon, Michael Cane, Casey Affleck

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Rhythm and blues



"É, engraçado, ás vezes a gente sente, e fica pensando
Que está sendo amado, que está amando, e que
Encontrou tudo o que a vida poderia oferecer
E em cima disso a gente constrói os nossos sonhos
Os nossos castelos, e cria um mundo de encanto onde tudo é belo
Até que a mulher que a gente ama, vacila e põe tudo a perder
E põe tudo a perder..."


Poucas são as cinebiografias que fazem jus aos grandes mitos que julgam eternizar através da imagem. Talvez porque muitas produções partem do pressuposto de visões preestabelecidas sobre tais personagens, e não existe um real interesse em entender as figuras num ideal próprio. Muitas biografias perdem o sentido quando projetadas pela encenação. Um caso particularmente recorrente no cinema comercial brasileiro, que ao longo dos anos vem encontrando nos grandes nomes da história do país e, especificamente aqui, da música popular brasileira uma forma de (re)experimentar sua representação histórica.

Tim Maia não vai ser o primeiro, nem o último grande mito da nossa música a receber uma homenagem pau mole nas telas. Baseado num livro de Nelson Motta (e que mais parece uma versão estendida de seus comentários no Jornal da Globo), o longa de Mauro Lima é mais um registro bem intencionado sobre a vida de uma personalidade ao molde mais quadrado do significado da palavra. Mistura de documentário com drama ficcional, intercalando algumas das músicas mais famosas do cara, o filme é uma espécie de túnel do tempo musical, que está muito mais preocupada em contemplar uma genialidade, sem em nenhum momento tentar entende-la, ou, de fato, experimenta-la. Se utilizando do velho recurso da narrativa em off, o filme transforma seu herói num mero coadjuvante de sua própria história. Tal didática não apenas mostra que Lima pouco entende da persona de Maia, como também não sabe muito bem o que fazer com ela. E essa estranheza entre gênio e seu revitalizador é o elo que leva o filme a se estender por longos 140 minutos num ritmo nada proveitoso, se desdobrando através de clichês de colunas musicais que pouco se interessam na música, mas muito mais no que está entorno dela. Entretanto, vale saudar os esforços da interpretação de Babu Santana, que consegue dar um mínimo de credibilidade ao espetáculo.

No mais, a experiência é não mais do que um reflexo daquele trecho de You Haven’t Done Nothing do Stevie Wonder: “we are amazed, but not amused”.  Infelizmente todo o rhythm and blues que as canções de Maia trouxeram para discografia nacional fica em segundo plano aqui, mas independente de um filme que tenta exprimir a obscuridade por trás da genialidade de um dos maiores cantores da música popular brasileira, ainda é necessário lembrar que seu valor consciente jamais será subestimado.   

Tim Maia (★★)
Brasil, 2014, 140 min.
De Mauro Lima
Com Cauã Reymond, Alinne Moraes, Babu Santana, Robson Nunes

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Oscar race e o filme mais belo de 2014

Esse final de semana o novo do David Ayer estreou em primeiro lugar nas bilheterias dos Estados Unidos. Boa parte do lucro se deve a Brad Pitt, claro, mas mesmo assim é bom ver um diretor refinado como Ayer sendo reconhecido pelo mercado. Esses dias saiu uma entrevista dele para um site britânico e não me surpreendeu a notícia de que ele viria a assumir uma superprodução em Hollywood. Fury já é um grande feito pelos seus 100 milhões de dólares de orçamento e a aparente liberdade autoral concedida à Ayer no manuseio dos fatos históricos. No entanto, não creio que seja um filme que irá cair nas graças da Academia (apesar de ele ser o escritor de Dia de Treinamento e Tempos de Violência – dois dos meus filmes policiais preferidos da década passada). Talvez, até, porque o novo do Eastwood tá quase saindo do forno. Fury e American Sniper, infelizmente, só chegam ano que vem aqui no Brasil, mas já vale reforçar a beleza de ver duas gerações de cineastas se encontrando numa mesma proposta em tempos não muito prolíficos para esse tipo de cinema. 
E já que irremediavelmente nos próximos meses o assunto mais falado (além do novo filme do Christopher Nolan e a primeira parte do final de Jogos Vorazes) vai ser o que pode ou não pintar nas indicações do Oscar 2015, alguns exemplares já estrearam ou tiveram sessões especiais por aqui. Garota Exemplar (Gone Girl) do David Fincher é um dos grandes filmes da temporada. E só pelo fato do Fincher ter sido tachado de misógino (o que ele não é!) eu já acho este o filme mais interessante que ele já fez desde... hmm, Seven.  Num ano em que o feminismo foi discutido, reinventado e banalizado no cinema como em muito tempo não se via, Garota Exemplar veio (re)afirmar Fincher como um visionário.  Mesmo o absorvendo mais como um ensaio fetichista-pessimista da deturpação do amor, é singela a homenagem do cara às femme-fatales que enriqueceram obras de diretores como Brian De Palma e Paul Verhoeven. E o que se viu em 2014, principalmente depois da experiência dilacerante da Scarlett Johansson (re)descobrindo sua feminilidade em Sob a Pele, foi que os (sub)gêneros de Hollywood nunca deram tanto vigor e substância às mulheres como agora. Uns grandes acertos (O Melhor Lance, do Tornatore), outros equívocos sem precedentes (Mulheres ao Ataque, do Cassavetes), o cinema esse ano teve um só corpo: e esse foi o da mulher. 
Outra coisa que vale ressaltar, e que sempre vejo muita gente falando por aí, é sobre o cinema argentino e suas incansáveis tentativas de se firmar como uma indústria irreverente. O filme candidato ao Oscar deles desse ano, Relatos Selvagens, é outra prova de que eles realmente se levam a sério. Pois eu, particularmente, lavo minhas mãos. Eu já acho um saco os discursinhos do Ricardo Darín sobre a “máquina de dinheiro” que é o cinema Hollywoodiano, mas vê-lo assumindo a pose reaça do Michael Douglas de Um Dia de Fúria num dos exercícios mais insuportáveis de black comedy desde sempre num dos curtas do filme do argentino Damián Szifrón, só me faz crer que Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, no fim das contas, é um pedaço de publicidade bem simpático.
Por fim, eu fiquei de escrever algo mais elaborado sobre os 12 anos das filmagens de Boyhood, que infelizmente vai ter estreia limitada no Brasil dia 30 de Outubro, mas vou resumidamente só dizer que esse é o filme mais lindo que alguém poderia fazer esse ano. Diluir o tempo através das experiências do protagonista aqui é mais do que um experimento sem precedentes, é uma forma de encontrar na imagem e no tempo do outro aquilo que reflete e exprime nossas próprias incertezas sobre esse ritual de passagem, principalmente para aqueles que, assim como o jovem Mason, ainda questionam sua moral nessa história que chamamos de vida.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

[Crítica] Isolados


Muito se fala sobre a prolífica fase do cinema nacional atual. Da carreira em festivais renomados ao interesse atrativo por parte do público como cinema comercial, os diretores estão cada vez mais ambiciosos com o mercado cinematográfico brasileiro. Filmes que visam desde a ideia da linguagem e mise-en-scène (os chamados filmes de arte), ao espectro mais simplório da arte, como o caso deste “Isolados”, o cinema de gênero nacional passou de um nicho para uma realidade bruta. Não à toa, a indústria vem cada vez mais segmentando suas produções.

Isolados, segundo longa de Tomas Portella, é um caso interessante de filme de terror pouco visto nas grandes salas do país. Sem reservas, e sem vergonha de assumir os clichês que tornam o gênero ao mesmo tempo saturado e divertido, Isolados é uma produção séria, como o melhor filme do Wes Craven, por exemplo, em que o grande trunfo está na manipulação de elementos a levar ao êxtase sua audiência mais assídua. Lauro (Bruno Gagliasso) e Renata (Regiane Alves) vão passar uns dias numa casa no meio da mata. A trama não nega a previsível cilada em que os dois irão se meter, já que, alguns dias antes, uma série de assassinatos e estupros contra mulheres tem assustado os moradores daquela região. Sem saber dos perigos que poderá vivenciar nos próximos dias, Renata se deixa levar pela influência do namorado autoritário, que usa a desculpa que irá cuidar dela. Mas à medida que os momentos a dois vão se tornando cada vez mais claustrofóbicos para Renata, a mesma se arrisca a sair sozinha sem que o namorado saiba. E é quando, então, “Isolados” ganha sua verve moderninha de thriller psicológico.
Infelizmente, sem conseguir sustentar o peso que o filme adquire à medida que deixa de se apoiar aos elementos clássicos pra assumir uma essência mais autoral e compacta, “Isolados” parece se transformar num espetáculo insosso de atuações exageradas e deslumbrantes, qual resultado se resume ao tédio. As texturas visuais e sonoras que traçavam os primeiros minutos da trama num harmonioso fetiche de gênero, acabam por saturar o teor sórdido e sombrio numa conclusão patética, que mais parece ter sido feita para Gagliasso mostrar os dotes do ator metódico que é. 

Isolados (★★)
Brasil, 2014, 99 min.
De Tomas Portella
Com Bruno Gagliasso, Regiane Alves, José Wilker  

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Resnais, Besson e o pior filme do ano.

Amar, Beber e Cantar ()
França, 108 min, 2014
Direção: Alain Resnais
Este foi o último filme realizado por Alain Resnais antes da sua morte no início do ano. Amar, Beber e Cantar, que aqui no Brasil já é sucesso garantido entre senhoras que frequentam os cineplexes, mostra a vitalidade e comicidade do diretor que, mesmo com mais de 90 anos, possuíra brutal sensibilidade ao usar a velha forma de fazer comédia francesa para encontrar na dinâmica do surrealismo o porquê de sua eterna apreciação pela vida -e o Cinema.


Lucy (★★★★)
França, 89 min, 2014
Direção : Luc Besson
Diretor tão megalomaníaco quanto interessante, Luc Besson sempre foi um entusiasta do cinema hollywoodiano, não sendo a toa que boa parte da sua obra é um resquício de algum blockbuster ou clássico americano. Quase um pastiche de si mesmo, em Lucy, o diretor assume sua forma mais vital e promíscua de cultor do frenesi da imagem. Com dosagens milimétricas de muito bom gosto, o sci fi bad ass action figure -estrelado justamente por Scarlett Johansson- coloca em evidência a maturidade do diretor que, para além de um eterno cinéfilo estasiado, se tornou um visionário nato da parafernália que (des)constrói essa coisa insana que chamamos de imagem cinematográfica.


Estados Unidos, 89 min, 2014
Direção: Steven Quale
Eu confesso que estava bem curioso pra ver o resultado disso aqui. Primeiro porque eu sempre gostei de filmes catástrofes, e segundo que Quale foi apadrinhado por James Cameron, que querendo ou não, é ainda um dos maiores diretores de ação de Hollywood. No entanto, a experiência de experimentar um filme como No Olho do Tornado é completamente indiferente, já que Quale está mais preocupado em dramatizar a vida pouco interessante de um núcleo tipicamente americano, nos mais grotescos diálogos e momentos, sem qualquer controle sobre o entretenimento. Filme que mais soa como uma propaganda republicana, onde o núcleo familiar americano sempre prosperará, No Olho do Tornado é também um dos piores exemplos do velho ditado que diz “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.


segunda-feira, 11 de agosto de 2014

[Crítica] The Rover - A Caçada



Não lembro ao certo quando/qual fora meu primeiro contato com o thriller movie. Talvez David Fincher tenha sido o diretor que me apresentou tal estilo de Cinema. Seven e, depois, Clube da Luta são às referências que me vem à cabeça quando penso na minha iniciação cinéfila. E foram tais experiências responsáveis pelo meu confronto com o Cinema (do que apenas a experiência de assistir a um bom filme) até então. Aliás, é curioso lembrar de Seven após uma sessão como a de The Rover, porque mesmo com premissas bastante distintas, ambos compartilham dum mesmo sentimento da problemática do homem à mercê de si próprio; além duma verossimilhança estética autoral dentro de seus universos interpessoais. 



“Fear the man with nothing left to lose”, é a frase estampada no cartaz do filme de David Michôd.  Facilmente poderíamos remetê-la a qualquer thriller de ação protagonizado por Jason Statham, entretanto, no imaginário de Michôd o sentido está para além de uma verborragia de efeito comercial. Estamos, de fato, diante de um filme que teme a condição de seu protagonista -e não ele. A fábula em forma de antítese climática do (sub)gênero post-apocalyptic, num futuro distópico à lá Mad Max geografado no outback australiano, funciona como um estudo visual como parte de uma narrativa (des)propositalmente disfuncional de um (anti)herói marcado pela resistência a anomia e ao retrocesso da civilização. Resistência, essa, por que no microcosmo da trama não existe espaço para a moral ou reflexão dela. Dez anos se passaram naquela geografia, e não existe explicação para o que ali se sucedeu (talvez, até, porque não exista, para Michôd, um sentido para a violência intrínseca ao homem). Não há um Estado. A posição da mulher nessa sociedade é omissa; e se ela se encontra ali é apenas como um reflexo simbólico à desumanização do homem. O rosto de Guy Pearce é uma cápsula de sentimentos reprimidos, e a violência que ele toma como senso elusivo da sobreposição do opressor vs oprimido, mais forte vs mais fraco, serve tanto como um retrato da dilaceração da convivência em sociedade, quanto um olhar pulsante para a individualidade do homem nesse mesmo contexto. 



Ao assumir a violência como forma subversiva daquele mesmo discurso d’O Estranho sem Nome, de Eastwood (e aí a visão de The Rover como um western pós-moderno/futurístico), qual propunha um efeito narrativo catártico sob a violência explícita do rosto enigmático de seu protagonista, ainda que menos inteligível na estrutura narrativa que o clássico de Eastwood, Michôd e Pearce, assim como Pattinson (que assume a missão da persona do road movie que desestabiliza o emocional do herói incompreendido), desmistificam o consenso da imagem didática ao pôr em primeiro plano uma trama que sugere ao espectador um campo cinematográfico convencional, ao mesmo tempo que o confronta com a hostilidade da dissolução visual e o transforma em arquétipo do jogo de cena fragmentado ao tempo daqueles personagens tão poderosamente personificados.

The Rover - A Caçada (1/2) 
Austrália/Estados Unidos, 2014, 103 min.
De David Michôd
Com Guy Pearce, Robert Pattinson, Scoot McNairy

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Um Hitchcock subestimado...


Infelizmente, ainda não tive a oportunidade de ler Hitchcock/Truffaut, livro quais muitos acreditam ser a bíblia do Cinema. Também, comecei há pouco tempo minha tour pela cinematografia de Alfred Hitchcock. Mesmo assim, com 9 filmes inclusos na minha lista, já pude notar quais eram suas preferências e como funcionava um pouco da mente do eterno mestre do suspense. Finalizando minha maratona pelos anos 40, tive a sorte de ver Sob o Signo de Capricórnio (tradução, essa, que não condiz nada com o título original do filme – que se refere ao trópico). Fracasso na época e renegado pelo próprio Hitchcock em entrevista à Truffaut, o filme (que é o último de Hitchcock ao lado de Ingrid Bergman) é talvez um dos mais subestimados do diretor.  




Ambientado no século XIX, e aparentemente uma obra utópica à cinematografia de Hitchcock, ao longo dos mesmos planos prolongados que o diretor experimentara na obra prima Festim Diabólico, somos introduzidos ao universo típico da cobiça humana – e da ironia hitchcockiana -, caracterizado por uma atmosfera clássica dos filmes de época lançados até então. Produção bastante meticulosa seja pelas cores saturadas ou pela fotografia que não nega a atmosfera romântica, o melodrama orquestrado por Hitchcock aqui é na verdade um veículo subversivo qual ele utiliza para desmitificar a trama de um triângulo amoroso. Bergman é uma mulher marcada pela culpa, e (des)fragmentada no tempo, que descobre na chegada de um conterrâneo (Michael Wilding) uma espécie de fuga da geografia qual agora é escrava. Seu marido, interpretado delicadamente por Joseph Cotten, é um ex-condenado que luta para a relação entre os dois ainda ter um sentido. Através do escopo desta aparentemente familiar narrativa, Hitchcock refina a técnica usada em Festim Diabólico, que ao contrário deste, tinha o propósito de sufocar os personagens dentro do quadro. Em Sob o Signo, a intenção está justamente na fluidez dos atores por entre os sumptuosos cenários, permitindo à narrativa e os personagens (des)construirem seus ideais e a moral da trama, diversas vezes, deixando o espectador à mercê das facanhas do diretor.



Por ser um filme não habitual de Hitchcock, talvez as expectativas do espectador não sejam completamente preenchidas, mas é interessante como toda a construção de Sob o Signo surge duma intenção e ironia bastante hitchcockianas. O desdém curioso para com a contracultura da época, além dum estudo muito mais complexo na superfície da trama sobre os primórdios das colonizações, e a submissão à riqueza e crueldade do ego ferido, Hitchcock confronta aqui o ser humano em sua forma mais obscura (e mais frágil).
Inglaterra, 1949, 119 min. 
De Alfred Hitchcock 
Com Ingrid Bergman, Michael Wilding, Joseph Cotten




quinta-feira, 31 de julho de 2014

[Crítica] Guardiões da Galáxia



Não sabia da existência de Guardiões da Galáxia até pouco antes de receber o convite para a cabine de imprensa do mesmo. Por não ser familiarizado com HQs em geral, e nem ter lido nada a respeito da produção, logo pensei que se tratava de outra imersão da Marvel para as telas nos moldes d’Os Vingadores. Felizmente, o que se encontra em Guardiões é justamente o oposto. Filme que assume a veia da auto paródia, completamente desprovido de seriedade hermética, diferentemente dos recentes Planeta dos Macacos: O Confronto e Capitão América: O Soldado Invernal, Guardiões subverte a estrutura latente das próprias produções da Marvel numa divertida e despretensiosa viagem à origem do entretenimento da marca.

 
Diretor pouco conhecido, e escolha discutível, até então, para assumir as rédeas da superprodução, James Gunn surpreende por tirar toda a sobrecarga de expectativas que geram os filmes da Marvel, se voltando pura e completamente ao universo que acomete os Guardiões e a problemática dos mesmos. Num contraponto à ideia de Gunn em buscar extrair apenas o entretenimento consciente da trama surrealista de cinco personagens indistintos em seus sentimentos de justiça, existe aqui uma vertente infanto-juvenil que remete muito àquilo que o cinema do Spielberg propunha nos anos 80 (não sendo à toa o filme ser moldado como um pastiche daquela época). Gunn potencializa a esfera dinâmica do filme ao se utilizar duma misé en scène onde a base para o entretenimento está no diálogo entre os personagens (vestidos graciosamente pelo elenco) e o espectador, tal qual na cinematografia visual, que acaba sendo um recurso metalinguístico qual permite a imersão do filme numa compreensão atemporal do mesmo. 
 



Nostálgico em sua reverência à cultura pop dos anos 70, 80 e 90, Guardiões da Galáxia é quase uma versão fantástica e menos sombria daquele Clube dos Cinco de John Hughes, sendo a essência de este como um mero objeto de divertimento justificativa de que Hollywood ainda pode realizar uma grande produção cinematográfica, sem que esta se vista sob camadas e camadas de pretensão técnica e narrativas mirabolantes. Meio a um ano repleto de super-heróis letárgicos, é sempre bom ver que alguém ainda preza pelo fascínio que o gênero em outrora proporcionara.

Guardiões da Galáxia (★1/2)
Estados Unidos, 2014, 121 min.
De James Gunn
Com Chris Pratt, Zoe Saldana, Dave Bautista, Vin Diesel, Bradley Cooper, Glenn Close

quarta-feira, 25 de junho de 2014

[Crítica] Transcendence - A Revolução


Estava tentando me lembrar do último filme protagonizado por Johnny Depp que eu tenha realmente gostado. Tem quase 10 anos (visto que fora em Em Busca da Terra do Nunca) que o ator não apresenta algo representativo do talento que aparentemente tem. Depois de uma sequência de filmes com Tim Burton, o ator até se mostrou uma persona cômica divertida no último do Gore Verbinski (mesmo eu achando O Cavaleiro Solitário um tédio). E não bastasse a escolha de projetos duvidosos -e os fracassos de bilheteria- eis que Depp resolve aceitar ser protagonista de um sci-fi dirigido pelo diretor de fotografia dos filmes do Christopher Nolan. Na tentativa de sair da sombra de personagens-oscilação do Jack Sparrow, Transcendence assume em sua premissa, para além de ser a possível projeção de Wally Pfister em Hollywood, a responsabilidade de se levar Depp a sério.


Dramalhão daqueles bem vergonhosos, que respiram o brega numa forma até inevitavelmente divertida, o filme em questão é um caça-níquel que não deu muito certo. Emulando toda aquela construção de suspense que fez dos filmes do Nolan divisores d’água na década passada, e trazendo por através de uma trama que se quer ser sóbria, sem os princípios básicos narrativos, Transcendence pode se vangloriar de possuir uma das fotografias mais belas do ano, e nada além disso. Elenco emprestado dos filmes do Batman, e uma trama que mistura qualquer filme do Nolan com a tentativa de superação do mesmo, Transcendence até tem em seu enredo uma interação bacana entre o homem e a tecnologia, mas tamanhos são os equívocos narrativos e a forma como tudo acaba num drama barato e sem propósito, que a essência do filme se resume num mero fetiche visual. A fotografia distópica, unida a enquadramentos que exprimem o virtuosismo fotográfico do diretor, dão o contorno denso que a trama pede, mas o que falta aqui é uma visão propriamente cinematográfica desses ingredientes. Além disso, a falta de um conflito primário, que desenvolva a trama ao seu redor, deixa todo o pilar narrativo desestruturado; saturado de soluções vazias, e uso abusivo de diálogos verborrágicos. Ademais, parece que elenco e filme constrõem-se diante da dramaturgia paralelamente. Usando o overacting quase  como uma válvula de escape para que o filme não acabe tão apático quanto a performance de Johnny Depp, Transcendence assume-se apenas como uma cópia (in)fiel e nenhum pouco deslumbrante da cinematografia do Christopher Nolan. E se existia alguma empatia com o projeto, pelo envolvimento do diretor na produção do mesmo, ao fim da sessão, fica a reflexão de que o próprio Nolan é um maestro de qualidade duvidosa.

Transcendence - A Revolução (★1/2)
Estados Unidos, 2014, 110 min.
De Wally Pfister
Com Johnny Depp, Morgan Freeman, Rebecca Hall, Paul Bettany, Cillian Murphy