terça-feira, 27 de maio de 2014

[Crítica] No Limite do Amanhã


Doug Liman é um diretor/produtor de estúdio, e isso todo mundo sabe. E apesar de suas limitações cinematográficas (e mesmo narrativas), eu sempre gostei muito da agilidade dele na introdução da saga de Jason Bourne, em A Identidade Bourne, e até naquele remake de True Lies com a Angelina Jolie e Brad Pitt, o Sr. & Sra. Smith. Diretor que sabe extrair do elenco e da ação a matéria prima do entretenimento, Liman é um artesão como poucos em Hollywood. Dito isso, é um tanto decepcionante vê-lo entregando em No Limite do Amanhã, novo longa estrelado por Tom Cruise e (a maravilhosa) Emily Blunt, seu trabalho menos inspirado.


Naquela velha trama sobre invasão alienígena, e a iminente extinção humana, temos Cage (Tom Cruise), um sargento tão covarde e cheio de si que, ao se recusar fazer parte dum confronto militar britânico por hemofobia, é forçado a vestir um traje robotizado num ataque a uma praia infestada por “filhotes” alienígenas. O problema de Cage se torna solução quando ele é contaminado pelo sangue de um “Alien azul” no confronto, o concebendo um tipo de poder sobre o tempo, o que o faz reviver inúmeras vezes aquele mesmo dia. Não há como negar que o enredo trás uma estratégia inventiva para a trama sobre invasão alienígena, e a irônia de um personagem do Tom Cruise se recusando a uma boa ação é a sutileza da inteligência da perspectiva de Liman sob o gênero, mas incontáveis são os erros e equívocos do roteiro para as situações criadas na medida que o filme constrói sua ideia, para além do apocalipse que só vemos pela sequência inicial já experimentada em dezenas de filmes (atuais). Não fosse a química instantânea de Cruise com Blunt, e sua consequente injeção de humanidade aos desejos e anseios daqueles personagens, pouco sustentável seriam as sequências desenfreadas de ação e o uso frenético do looping de tempo. Não que Doug Liman deixe de pontuar que esse se trata de um filme aos moldes de um blockbuster de ação, mas é que eu esperava ao menos uma explicação cênica um pouco mais palpável pra ele se desfazer tão facilmente de sua agilidade e naturalidade com os personagens e entregar um produto final tão regular quanto a didática usada pra explicar o enredo do mesmo.


Não mais que um produto moderadamente divertido, e um espetáculo à parte de Emily Blunt (melhor rosto feminino de ação desde Milla Jovovich), No Limite do Amanhã falha justamente por se ver como um mero produto. Subestimando sua própria capacidade quanto cineasta de estúdio e grande produtor que é, Doug Liman só me fez crer que cada desenho de cena realizado aqui é tão somente resultado de mãos alheias interferindo na visão de diretor pé no chão que eu tinha sobre ele. 

Estados Unidos/Austrália, 2014, 113 min
De Doug Liman
Com Tom Cruise, Emily Blunt, Bill Paxton


quinta-feira, 22 de maio de 2014

[Crítica] X-Men: Dias de um Futuro Esquecido


Levando em conta que estamos em tempos de ~avisos~, abro um parêntese aqui ~avisando~ que esse texto pode conter spoilers sobre a trama do novo X-Men, então fica a seu critério continuá-lo lendo.
Talvez o filme com as mais altas expectativas pelos fãs no ano, esse novo capítulo da saga iniciada por Bryan Singer no começo da década passada -e repaginada por Matthew Vaughn em Primeira Classe-  parece de fato ser um episódio especial -a fim de arrancar uma boa dose de lágrimas dos mais assíduos pelos mutantes marginalizados. Numa trama que não esconde sua absoluta irrelevância quanto uma nova tentativa de salvar o futuro do planeta (apesar da ameaça aqui ser um efeito colateral da ação dos seres humanos sob os mutantes), o roteiro surpreendentemente engendra sentimentos particulares daqueles seres mutagênicos num retrato significativo sobre o reflexo de suas ações na preservação de humanidade (tão pouco) existente. Por essa caracterização particularmente humana dos X-Men, a qual distancia-os duma visão heroica comum, o filme de Singer, e principalmente a facilidade do elenco em estabelecer sentimentos tão distintos e particulares, potencializa a seriedade cabível ao enrendo de Dias de um Futuro Esquecido, fazendo-se crível a presença de gerações diferentes de mesmos mutantes, para além do espetáculo deslumbrante de um grande elenco compartilhando a tela juntos.


Num desenvolvimento narrativo bem amarrado, que de fato parece um episódio particular da saga de Charles e Erick, a ideia de co-relacionar as gerações de X-Men dos filmes de Singer com a empreitada de Matthew Vaughn assume aqui uma arriscada perspectiva para quem nunca teve contato com a história dos mutantes, mas que pelo fato de os personagens de X-Men serem concebidos aos moldes de sentimentos tão particularmente humanos, seja por sensações que remetem àqueles anos no colegial onde você se sentia um verdadeiro mutante dentre “as pessoas normais”, ou pela eventual descoberta de si mesmo num período traumático, a facilidade de conexão com a trama e personagens de Dias de um Futuro Esquecido se torna inevitável, especialmente pela versatilidade do elenco. Entretanto, quem esperava por uma atmosfera semelhante a dos dois (ainda melhores) filmes dos X-Men dirigidos por Singer, acaba por encontrar aqui distanciamento notável da cinematografia em contraste aos personagens. O deslumbramento de Singer pela tecnologia 3D se por um lado é uma virtude estética bem resolvida, por outro acaba apenas servindo de muleta pra uma eventual sequência de ação (manjada), desproporcional dentro do contexto da narrativa, soando apenas como um alívio estético concomitante cômico, que os mais assépticos dirão fazer parte da construção de um blockbuster como X-Men. Ok, pode até ser por isso, mas convenhamos que Bryan Singer sabe melhor, né? Diretor que sempre soubre combinar doses de entretenimento com a seriedade de seus filmes, vê-lo se vendendo para tais artifícios é no mínimo decepcionante.


Não que Dias de um Futuro Esquecido seja completamente equivocado, pois o elenco realmente está bem inserido na trama, e qualquer filme do Bryan Singer é melhor que a filmografia inteira do Brett Ratner, mas analisando-o num contexto especificamente cinematográfico, o filme não faz questão de se auto-inovar em quase nenhum aspecto, já que estão lá a mesmas caricaturas cômicas, os mesmos efeitos discursivos e a mesma diluição daquilo que conhecemos por blockbuster. Singer parece confortável na zona-de-conforto-de-filmes-de-HQ’s, quais sempre assumem aquele argumento do crível de experimentação, que talvez funcione com o tempo –aqui, por exemplo, por ser um filme auto-reflexivo-, mas que numa primeira impressão é encoberto por dúvidas insolúveis.

X-Men: Dias de um Futuro Esquecido ()
Estados Unidos/Inglaterra, 2014, 131 min
De Bryan Singer
Com Michael Fassbender, James McAvoy, Hugh Jackman, Jennifer Lawrence, Ian McKellen, Patrick Stewart 



sexta-feira, 9 de maio de 2014

[Crítica] Mulheres ao Ataque


Já digo que escrevo de má vontade esse texto pro novo filme do Nick Cassavetes por dois motivos: 1) achei-o extremamente ofensivo; 2) ver Leslie Mann subestimando sua genialidade é um dos momentos mais tristes para a comédia feminina americana. Mas já que escrever sobre um filme nem sempre é uma tarefa fácil, vamos aos fatos: eu particularmente nunca vi um diretor promissor em Cassavetes, mas, mesmo carregando o sobrenome do pai de herança, nunca imaginei que vê-lo-ia tentando emular uma comédia escrachada com tanto mau gosto. Mulheres ao Ataque é Hollywood mais uma vez promovendo o sexismo através da falsa-pretensão feminista, num filme que se diz comédia e nem é engraçado.


Abraçando constrangedoramente os estereótipos femininos, seja pela intelectualidade (ou a falta dela), e a escravização da dona de casa que vive em função do marido, o filme de Cassavetes escolhe as piores formas de relação entre três mulheres que encontram na rivalidade uma forma de se vingar do homem que as traiu e enganou, em inflexão a sobreposição delas quanto mulheres àquele que é seu denominador comum (!). Por dentre noções de comicidade quase inexistentes, numa busca dum humor banal que soe ao mesmo tempo bonitinho e bem intencionado (em suas má intenções), e querendo ser uma nova versão de Missão Madrinha de Casamento, Cassavetes e elenco parecem esquecer que existe na estrutura do filme no qual se baseia uma fórmula de comicidade bastante irreverente e própria, onde a ação feminista está nas personagens e não na consequência de situações criadas por um embate entre sexos. Essa categorização existente em Mulheres ao Ataque, e a exposição desconfortável das mesmas (vide os planos com a presença da Nicki Minaj), assim como as motivações das protagonistas se resumindo numa vingança infantiloide ao homem-não-tão-sonho-de-consumo-assim, reflete bem a falta de substância no argumento feminista que cerca tanto o filme quanto a indústria em geral. A ideia aqui não se difere muito do que acontece na música, ou na televisão. Tal como o novo disco da Lily Allen (ou toda a repercussão dele), por exemplo, o filme de Cassavetes se projeta como um pastiche de si mesmo, sendo “apenas uma comédia”, ao mesmo tempo se portando como defensor feminista, mas que nas entrelinhas de sua estrutura ‘niilista’ se mostra tão incoeso quanto inocente, validando toda e qualquer crítica que venha a ser feita a seu respeito.

Seja por filmes como Mulheres ao Ataque, ou discos como o Sheezus, de Allen, essa falsa idealização de como a indústria pode se portar diante de um determinado assunto sempre deve levar em consideração a interpretação do público, seja ele qual for. Usar da comicidade na construção de um diálogo sujo, subvertendo um assunto específico para se auto-validar de forma involuntária, é extremamente ofensivo ao gosto popular; em qualquer área de entretenimento que seja. 

Estados Unidos, 2014, 109 min.
De Nick Cassavetes 
Com Leslie Mann, Cameron Diaz, Kate Upton, Nicki Minaj, Nicolaj Coster-Waldau