Não fosse o lançamento do /\/\/\Y/\, lá em meados de 2010, seria bastante cômico um disco como o Matagi surgir na discografia de M.I.A. Cômico, pois aos 38 anos a cantora ainda vem tentando firmar uma imagem (ou na verdade ela está brincando com sua própria imagem?) que desenvolvera ao longo de sua carreira –e que para a mídia musical se perdera no lançamento de Paper Planes- adjunto ao prestígio adquirido (com a mesma). De todo modo, Matangi, seu quarto álbum de estúdio, tem muito mais a dizer sobre M.I.A, não só por reverenciar seu nome, do que necessariamente sobre sua música ou seu estilo.
Em uma ótima entrevista a Pitchfork, a cantora revelou que
suas referências iam além do que se ouve atualmente na indústria (mainstream). Além
de ser seu nome, Mantangi se refere, também, a deusa da música. Por mais
equivocada que sua declaração tenha sido, é curioso observar que toda a
estrutura do Matangi surge justamente da plasticidade nata desse cenário (“if
we’re gonna live once, why we keep doing the same shit?” – Y.A.L.A), e ao passo
que a rapper se utiliza desses elementos (pop) para a construção autoral -e
irônica- de seu estilo, como conseqüência, o disco adquire certas camadas (Come
Walk With Me/Bring The Noize), que aos poucos se tornam a matriz do argumento levantado
por M.I.A. E é as custas dos questionamentos sobre a flexibilidade dessas
camadas (que na verdade se referem bem mais as declarações contraditórias da
artista) que Mantangi se torna um álbum ímpar na discografia de M.I.A, principalmente,
por ser igualmente fascinante e redundante. Ao contrário do
que fora experimentado no incompreendido (e brilhante) /\/\/\Y/\, que possuía em todo o
conceito pós globalizado uma acidez genuína, Matangi, apesar de ser concebido
na sombra de seu antecessor, é bem mais um manifesto de M.I.A (Boom Skit) em
relação a sua carreira e suas origens –compreendidos nos nuances de arabic pop
e worldbeat em contraste as batidas recicladas do Kala e do Arular- do que uma
crítica a indústria, ou uma extensão de seu ativismo popular (daí a ideia de que o
disco possua uma áurea “espiritual”, como a própria disse em entrevista); que
apesar de constituírem boa parte da arquitetura do disco, já não são mais a
base para o discurso agressivo de M.I.A.
Ainda que Matangi possivelmente seja visto como um disco
saturado e contraditório dentro da linhagem peculiar da construção
imagética/estética de M.I.A -em função de sua (frágil) rebeldia-, não há como negar
que, ao extrair de batidas eletrônicas acentuada densidade (Exodus/Know It
Ain’t Right) -em grande parte à compilação distópica de elementos-, M.I.A, no
ápice de sua genialidade, consegue captar toda a agressividade das canções num
ensaio lírico que difere Matangi de seus outros trabalhos justamente por
assumir essa posição polarizada. Como extensão daquilo que seu discurso aponta
com convicção, Matangi é, em toda a difusão de gêneros e harmonização de batidas, um disco completamente maduro, não apenas pelo fato de M.I.A
orquestrá-lo em auto-referência (“if you gonna be me, you need a manifesto”),
mas por não distanciar suas inspirações das estratégias formulísticas de sua visão
crítica, mantendo crível a honestidade sonora de sempre.
N.E.E.T Recordings/Interscope, Estados Unidos, 2013