quinta-feira, 7 de novembro de 2013

[Crítica] Capitão Phillips


"Andrea Phillips: Ok. Você está bem?

Capitão Richard Phillips: Sim.
Andrea Phillips: Você pensa que essas viagens se tornam mais fáceis, mas é totalmente o contrário.
Capitão Richard Phillips: Bem, me sinto da mesma forma.
Andrea Phillips: Eu sei que é isso que nós fazemos, esta é nossa vida. Mas parece que o mundo está se movendo tão depressa, tudo está mudando tanto.
Capitão Richard Phillips: Está mesmo. Vou te contar algo, não vai ser fácil para os nossos filhos. Eles estão crescendo em um mundo completamente diferente daquele que nós fomos criados.
Andrea Phillips: Pois é.
Capitão Richard Phillips: Sabe, nossos dois filhos estão se dando muito bem, mas eu me preocupo com Danny não levando a escola a sério. Eu odeio o ver perdendo aulas, pois quando ele crescer isso pode ser um problema na procura de trabalho, sabe? A competição lá fora. Quando eu comecei tudo era mais fácil se você se esforçasse e fizesse seu trabalho. Mas para os jovens de agora, as empresas querem algo rápido e barato. Cinquenta garotos competem pela mesma vaga. Tudo está tão diferente, girando rápido. Você precisa ser forte pra sobreviver a isso tudo.
Andrea Phillips: Eu entendo o que você quer dizer. Vai ficar tudo bem, não é?
Capitão Richard Phillips: Com certeza. Tudo vai ficar bem.
Andrea Phillips: Eu amo você.
Capitão Richard Phillips: Eu amo você também.
Andrea Phillips: Tenha uma viagem segura.
Capitão Phillips: Eu te ligo quando chegar."

É basicamente na análise desse breve e apreensivo diálogo estabelecido por Tom Hanks e Catherine Keener nos primeiros instantes de Capitão Phillips que Paul Greengrass constrói a tensão documental de um sequestro que argumenta além da crueza iminente do universo capitalista. Orquestrado com tremenda maestria, em âmbito a que as possibilidades dum exercício autodidata têm a oferecer, Capitão Phillips é exposto ao espectador a fim de permutar as camadas humanas através da agressividade impressionista do cinema do diretor.

Divido em dois atos que compreende a tênue do estilo -e da mão demasiadamente pesada de suspense-, o longa explora a mise en scène em função de um estudo que estabelece o espectador como parte dos acontecimentos ali documentados, colocando-o à mercê da personificação mítica de Tom Hanks e de sua consequente (des) construção heroica em cena. Não fugindo muito daquilo que já fora experimentado por Greengrass lá em O Ultimato Bourne e, principalmente, em O Vôo United 93, Capitão Phillips retoma as ideias do cinema documental em função de extrair dos personagens uma atmosfera realista, que capta toda a tensão do homem como objeto da ação subvertida de diálogos retos, definindo a intenção da imagem e dos fatos conseqüentes da trama, independente de sua previsibilidade. Por de trás das camadas estéticas, e dum emaranhado de elementos básicos de suspense, Greengrass esconde uma faceta melodramática que é compreendida justamente na utilização do homem e sua luta por sobrevivência como matriz de seu cinema. A agressividade introspectiva, nítida nos cortes bruscos e nos planos trêmulos, quase como uma narrativa a parte do filme, confundida muita vezes como frieza calculada, caracteriza, na verdade, a harmonia de sentimentos entre o homem e o cinema, explorada em Capitão Phillips pela personificação inquieta e pelos olhos preocupados de Tom Hanks (em perfeita representação do homem -de família- americano).


Ainda que acometido pelo equívoco da autoafirmação do diretor (que pra mim já havia sido confirmado lá em O Ultimato Bourne), a perspectiva da relação dicotômica do homem e o meio -independente da moral e dos maniqueísmos sociais- transforma os impulsos desses sistemas (de cinema) de Greengrass em conceito àquilo que a nova geração de cineastas vem absorvendo de fórmulas que se utilizam de arquétipos utópicos, esquecendo que a harmonia de uma trama se encontra especificamente no diálogo entre o homem e o cinema. Para além do espetáculo -visual e sonoro- que Greengrass nos proporciona em Capitão Phillips, há nas beiradas uma preocupação em legitimar o cinema não apenas como arte, mas como força vital aos processos de transição do homem e da natureza.

Capitão Phillips (★★★★) 
Estados Unidos, 2013, 134 min
De Paul Greengrass
Com Tom Hanks, Barkhad Abdi, Catherine Keener, Barkhad Abdirahman, Max Martini
-Visto no UCI Palladium - Curitiba, em digital, como convidado da Espaço-Z. 



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