segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Operação Big Hero

Posso estar enganado (ou acho que ando mesmo é desanimado com o mercado como um todo), mas tenho a impressão que 2014 foi um ano bastante anêmico para as animações, principalmente porque depois do estrondoso sucesso de Frozen e Lego, quase nenhuma animação conseguiu ao menos manter-se na memória do espectador (talvez uma ou outra; p.ex. Como Treinar Seu Dragão 2). No entanto, a grande aposta nesse fim de ano se volta novamente para a Disney. Operação Big Hero  foi guardado a sete chaves e, mesmo assim, ainda é um exemplar animalesco sem a graciosidade dos grandes filmes da Pixar.

Vendido como uma espécie de homenagem aos super heróis (do Stan Lee, principalmente), a proposta de misturar Hollywood com mangá é até bem bacana. O problema é que o filme não vai além disso; duma homenagem singela e bonitinha, meio minimalista em detalhes e toques dramáticos. Talvez funcional na mão de um Brad Bird ou Andrew Stanton, que sabem transformar pequenos microcosmos em verdadeiras obras de arte, mas o que dupla de estreantes contratados da Disney orquestra aqui é um trabalho que não vai além do convencional (o que não é necessariamente ruim, a propósito). Talvez porque essa fórmula de referência pop + humor dosado já esteja meio saturada no cinema como um todo, mas o problema é que o filme é o mais previsível possível. Um lançamento certeiro se lançado uns 2 anos atrás, mas que hoje não passa de um entretenimento efêmero.
Embora os personagens tenham uma áurea muito doce e ingênua, principalmente por levarem a sério esse lance de desejo de vingança na carcaça de um super herói , o roteiro do filme não faz muita questão de trabalhar a essência infantil acoplada à fantasia desses universos para além da superfície. Um pouco preguiçoso talvez, ou meramente um filme que busca manter os cofres da Disney cheios, Operação Big Hero 6 surge unicamente como uma experiência agradável, se você não pensar muito nele.

Estados Unidos, 2014, 108 min
De Don Hall & Chris Williams
Com Ryan Potter, Maya Rudolph, Scott Adsit, Jamie Chung

O Abutre

Essa semana terminei de ver o box de film noir da Versátil. Bela compilação de filmes, aliás, que consegue traçar uma linha bastante peculiar desse fenômeno do cinema americano dos anos 40 e 50. Obras como Anjo do Mal e Cúmplice das Sombras que, mesmo injustiçadas pelos críticos que parecem só ter dado atenção à elas num apanhado dos realizadores envolvidos, continuam irretocáveis e tão atuais quanto estudos sociológicos. Apesar da resistência em considerar o film noir um gênero, até hoje a fórmula é usada para retratar o espírito moral e crítico da sociedade contemporânea. Um dos exemplos mais recentes é o neo-noir O Abutre, primeiro longa de Dan Gilroy, que anda papando alguns prêmios da crítica americana e dando chances reais à Jake Gyllenhaal de conseguir uma nomeação ao Oscar.
Se a estética noir traçava através dos homme fatales/femme fatales e outros tantos personagens arquétipos um panorama subjetivo-metafórico dos alicerces sociais, os neo-noir, por sua vez, não escondem suas reais intenções. Os anti-heróis são vilões mesmo, e boa parte deles movidos pelo capitalismo. Em O Abutre, a estética neo-noir entra num contra plano dos filmes policiais dos anos 80. Um protagonista psicologicamente desajustado contrapõe com o visual sobrecarregado -de cores e densidade imagética- duma Califórnia noturna e violenta. Movido pelo único interesse em sobrepor-se à cadeia alimentar do capitalismo, o protagonista é a personificação -visual e moralmente- asquerosa das grandes mídias jornalisticas que sensacionalizam a carnificina sem um pingo de culpa.
A produção carreirista (leia-se: produção papa prêmios) dos irmãos  Dan & Tony Gilroy tem todos os elementos necessários para a construção duma trama sobre o vilão americano e a matriz dos alicerces da cultura capitalista americana (e nesse ponto o filme muito se assemelha à obra-prima dos irmãos Coen, Onde Os Fracos Não Tem Vez). Porém, o grande equívoco aqui é pensar o filme como a própria mídia, ou seja, através do sensacional(ismo). Numa narrativa carregada de didatismos sociológicos de senso comum sobre capitalismo e hierarquia de poderes, o filme já peca por fetichizar os ideais de seu protagonista. E, para além disso, ele transforma a ação da imagem numa imagem semelhante à um jornal local. Essa construção moral do filme baseada no espetáculo visual pode até acender uma chama de visceralidade que se quer se espalhar, de fato, mas isso tudo sem o menor pingo de consciência da imagem cinematográfica deixa-o completamente oco e inflexível à estética que exprime. Talvez essa abordagem tenha algum efeito nos mais assíduos da crítica, que adoram esse tipo de violência gratuita com uma premissa emblemática, mas falta muito do tato para se entender a relação da imagem e estética aliada ao estudo dum personagem que tem sido resgatado dentro da vertente do noir por cineastas contemporâneos ao cinema dos anos 40 e 50; ou 70 e 80 também. 

O Abutre ()
Estados Unidos, 2014, 117 min.
De Dan Gilroy
Com Jake Gyllenhaal Rene Russo, Bill Paxton, Riz Ahmed





sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

As Aventuras de Paddington

Eu não sabia da existência de Paddington até pouco antes da sessão. Muito menos que o ursinho simpático e ingênuo era um grande sucesso na Europa, até porque, logo que vi o cartaz do filme pensei se tratar de uma versão inglesa do Ted. Felizmente, a surpresa foi outra (embora quem duble o protagonista aqui seja o Danilo Gentili). Como uma (re)atualização de Stuart Little, o filme de Paul King acaba servindo como um retrato do cenário Europeu atual, que anda sancionando leis e criando demandas de imigrantes em seus países -em especial a tão sonhada Londres de Paddington no filme. 
Nesse sentido, pensando o live action animado como um filme expressamente político, a adaptação do livro de Michael Bond se faz bastante crível. Porque, para além do sonho do urso órfão que almeja chegar na terra prometida [Londres], o roteiro sabe pintar bem as cores dos estigmas desses personagens que ao chegar em seu ponto de destino acabam sentindo o real choque cultural de países como o da rainha, onde predomina a ideia do imigrante que vem para tomar seu espaço privilegiado. Além disso, Paddington sobressai seu contexto infantil, mesmo que no filme fique bem claro qual é seu público alvo.

Entretanto, se mesmo um filme simpático e, de certa forma, relevante, ao explorar uma vertente estética peculiarmente funcional no cinema de Wes Anderson, que permeia o lúdico através dum olhar clínico para o emocional de suas personagens, Paddington trás inúmeros equívocos latentes e soluções risíveis sobre tal temática. Sem muito tato para o realce emocional dos personagens que configuram o tema, e profundidade na abordagem dos mesmos, o filme opta pelos previsíveis clichês de contos-de-fábulas, principalmente pela similaridade que esse tipo de história desperta no público.
Embora Paddington tenha em sua carcaça uma consistência natural sobre um determinado legado, a opção por caricaturas ocas para expressar seu valor artístico e cultural acabam o transformando num mero e efêmero retrato tal qual inúmeros de seus predecessores, sem que exista um real interesse de transformar a simbologia de sua história numa reflexão sobre afeto, superação, sonhos e preconceitos. 

Inglaterra, 2014, 95 min.
De Paul King
Com Sally Hawkins, Nicole Kidman, Ben Whishaw, Hugh Bonneville, Julie Walters