Não sei exatamente em que momento da sessão de Her o encantamento passou a ser decepção. Sempre fui fã dos trabalhos do Spike Jonze, pelo menos dos que eu vi não me recordo de nenhum que não tenha gostado. As peculiaridades dos personagens e a forma com a qual enfrentam seus conflitos existenciais e interpessoais sempre couberam quase perfeitamente nas análises sentimentais e honestas do diretor. Em Her, entretanto, ao criticar a quantificação de um sentimento e subverter a imagem do homem rústico dos romances alienados num personagem sentimental -e até feminino-, Jonze parece construir seu personagem, que não cabe em nenhuma definição, apenas para enfatizar toda a concepção (estética) que acomete seu filme.
Theodore Twomblver (Joaquin
Phoenix), um solitário escritor fantasma num futuro distópico, após o
rompimento de uma duradoura relação afetiva, se encontra num fluxo de tempo e
espaço continuamente repetitivos, preenchido por vídeo-games interativos, salas
de bate papo, canções melancólicas, imagens eróticas, enfim, por tudo aquilo
que torna a vida de solitário menos depressivamente solitária. A comodidade que
a tecnologia trás à vida de Theodore o leva a conhecer um sistema operacional,
que passa a substituir sua difícil relação de intimidade com pessoas, o fazendo
encontrar uma forma de estruturar o que havia desmoronado com o término de seu
relacionamento, advinda duma voz feminina onipresente, que aparentemente o
entende e carrega por ele o gosto pela vida (que não vive!). É muito visível
toda a idealização do homem e sua facilidade em externalizar seus sentimentos
pela tecnologia através da concepção futurística e melancólica de Her. Os prédios
que cercam Theodore dão intensidade claustrofobica ao espaço em que habita, e
as pessoas ao seu redor, todas sempre portando algum aparelho tecnológico,
criam essa sensação de falta de simetria das relações interpessoais. É curioso
observar, também, como o humor de Theodore, quando em contato com seu sistema
operacional, Samantha (perfeito trabalho de voz e sincronia de Scarlett
Johansson), oscila diversas vezes entre o otimismo da (re) construção do que
fora perdido com a sensação de (falso) preenchimento do vazio existencial. Numa
cena de orgasmo cibernético, por exemplo, preenchida na tela completamente pelo preto, os sons transmitidos ecoam transpondo tanto sobre as sensações dos personagens quanto pelo ato em
si, que mescla um sentido satírico de humor e horror melancólico consequente à cena
(e também é uma evidência clara da transcendência do argumento à narrativa do filme)
Num
artigo do Newstatesman, Her fora comparado curiosamente a Um Estranho No
Lago, de Alain Guiraudie, filme interessantíssimo que esteve em Cannes ano passado, e mesmo sendo duas obras completamente diferentes uma da outra em suas conceituadas premissas, é assombroso observar como em ambas há
um desenvolvimento de personagem voltado essencialmente para a necessidade de
intimidade do ser humano e ao ponto que chegamos para consegui-la. No filme de Guiraudie, porém, há uma preocupação muito maior com a tênue que concerne o personagem e a estrutura do filme, como se, ao
desenvolvimento do suspense, ele fosse descobrindo a si mesmo através das questões
sociais e políticas colocadas à sua frente. Já o que Jonze propõe com Theodore está
expressamente na forma como o pessimismo acompanha sua vida solitária. Mesmo
que todo o argumento se baseie na falsa perfeição dos relacionamentos (sejam
eles cibernéticos ou interpessoais), por sempre buscarmos no outro aquilo que
nós mesmos não possuímos ou temos controle, o filme de Jonze, em toda sua
ingenuidade, acaba transformando Theodore num mero arquétipo afetado, não
desenvolvendo em nenhum momento o sentimento que parecia querer ser culminado
durante toda a trama. Nesse sentido, Her é também muito próximo de Onde Vivem
Os Monstros, que buscava, através da imaginação, compreender o que levava um
garoto em transição, mimado e egocêntrico, a encontrar a si mesmo quando
ameaçado pela realidade. A semelhança entre Max e Theodore está justamente
nesse conflito com a realidade, já que Theodore, mesmo externalizando seus
sentimentos, tem medo de viver por achar que não tem mais chance de ser feliz,
e Max, em pleno coming-of-age, acredita que ser criança o torna menos visível
diante das pessoas ao seu redor.
Por mais que Her levante todas essas questões
(e são muito válidas, por sinal), a ingenuidade –e mesmo infantilidade- que
acomete boa parte do desenvolvimento subjetivo do argumento, às custas da melancolia de Theodore,
Jonze, mesmo na mais honesta e singela das intenções, esquece que, antes de qualquer
coisa, seu personagem é um ser humano, e não cabe apenas em ser difusão de
conceito, esquema estético sentimental ou um mero arquétipo da silhueta de uma nova geração pré-destinada à
autodestruição emocional. Estão aqui todos os elementos que transformam Theodore e Her em memória cinematográfica, mas nenhum deles é conquistado com a delicada naturalidade que se espera de um filme de Jonze. Infelizmente.
Ela (★★★)
Estados Unidos, 2013, 126 min.
De Spike Jonze
Com Joaquin Phoenix, Amy Adams, Rooney Mara, Scarlett Johansson