sexta-feira, 20 de junho de 2014

Clint Eastwood e a imagem cinematográfica

Semana que vem chega aos cinemas o novo filme do Eastwood, Jersey Boys. Tinha pensado em fazer uma retrospectiva dele (ou ao menos dos filmes que acho mais importantes na sua cinematografia), mas pela falta de tempo (e também de inspiração), acabei preferindo escrever sobre O Estranho Sem Nome, que, inconsequentemente, acaba sendo a obra prima que melhor consegue definir toda a carreira do Eastwood ator e diretor. 



Como qualquer western pós-Fordiano da Nova Hollywood, O Estranho Sem Nome também assume em sua mise en scène a célebre analogia do Cinema de John Ford que diz “quando a lenda se torna fato, publica-se a lenda”. E é na odisséia iniciada aqui que Clint Eastwood (des)constroi a imagem moldada por através dos filmes feitos com Sergio Leone e Don Siegel, além de encontrar em cada plano uma maneira de moldar-se quanto ser cineasta e, acima de tudo, espectro de um homem sem face.





Logo na primeira cena, o sol escaldante desconfigura a imagem que surge no horizonte do deserto como um fantasma. Um homem de barba, aparência singular, e de expressão violentamente instropectiva, cavalga por entre uma comunidade que o assiste cautelosamente enquanto violenta uma mulher -e a culpa por isso (!)- e assassina a sangue frio três pistoleiros que o tentam intimidar, num suspense a deixar qualquer fã do Brian DePalma vibrado na tela. Capturando a cada plano a essência da covardia e da violência consciente de uma comunidade marcada pelo senso elusivo de sua (auto) importância, Eastwood assume junto ao protagonista uma perspectiva de resistência (ao progresso de civilização). Um filme sobre o efeito de justificativas interpessoais, talvez, O Estranho Sem Nome caracteriza essencialmente o valor narrativo e estético de Eastwood, que conduz com sutileza brutal a odisséia do homem, num ritual processual, em convivência dilacerante com outros homens. Por ser seu primeiro experimento atrás das câmeras com western, é interessante perceber que Eastwood não teme em elaborar uma estética semelhante a de seus mentores, e o fascínio aqui (e que se torna o ponto essencial de toda a filmografia do diretor) fica por conta da forma singular dele em transformar cada sequência, cada ação, cada diálogo, num exercício auto consciente, para além da subjetividade do arquétipo protagonizado por ele mesmo. Existe uma intenção puramente cinematográfica na concepção imagética do filme, seja quando o personagem surge no horizonte, ou quando, após conviver suscetivelmente a hostilidade cível daquele local, é consumido de volta pela própria imagem que o fez imergir na tela.








Para além de um tremendo exercício de Cinema, gosto de imaginar que O Estranho Sem Nome é para Eastwood o que mais tarde seria Taxi Driver para Scorsese – e isso não se resume apenas pela violência condensada de um e a explícita do outro. A pontualidade narrativa concomitante cartática e inflexível de ambos define toda a estrutura do exercício de estilo que tanto Eastwood quanto Scorsese assimilam tão cautelosamente conjunto a seus protagonistas, num retrato geracional. O estilo firme de Eastwood, influenciado pela experiência do mesmo quando ator nos westerns de Leone, dá todo o contorno desenvolvido pela mise en scène condizente a tragetória do Estranho Sem Nome até sua revelação final, quando a procura por comunidade, num eterno looping de sentimentos inacabos, se torna a base para compreender a mitologia de Clint Eastwood e a desmistificação da imagem (do homem).



*texto publicado originalmente no Ccine10, para um especial do Eastwood no mês de Maio/Junho.

O Estranho Sem Nome (★★★★)
Estados Unidos, 1973, 105 min.
De Clint Eastwood
Com Clint Eastwood, Verna Bloom, Marianna Hill, Mitch Ryan


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