Lembro como se fosse ontem quando meu irmão me
deu de presente um vhs d’O Pateta - O filme. Era meados de 98, eu ainda não
tinha tido nenhum contato com Cinema, até então. Aquele filme, tão simples, e
que anos depois, numa revisão mais consciente, se mostrara bem menos singelo do
que eu pensava, de imediato ganhou minha atenção. Anos e anos repetindo aquela
fita, decorando os números musicais, e aprendendo com um desenho animado um
pouco mais sobre respeito e amor fraterno. Aqueles personagens, sem dúvidas, foram
uns dos responsáveis pela minha construção quanto indíviduo. Depois de muitos
anos, e muita coisa que absorvi de filmes como Toy Story, O Rei Leão e Wall-E,
as animações se tornaram basicamente um espelho moldulador do que eu pretendia
ser. Buscar nos atos singelos de personagens que pareciam querer tão pouco, mas
ao mesmo tempo algo quase impossível de ser conquistado, foi, ao longo dessa
minha jornada cinéfila, experiência tão assustadoramente reveladora, que a
identificação com aqueles personagens se resume a um processo de autoconhecimento.
Não é desdém, então, quando digo que Hollywood
parece ter perdido sua áurea de maior responsável pelo amor cinéfilo infantil. Produções
que parecem tão somente preocupadas em subverter lições morais, ou serem
meramente o blockbuster da temporada; dá pra se contar nos dedos as animações
feitas em Hollywood desde Wall-E (!) que souberam tratar suas microtramas com
total honestidade, a ponto de eu conseguir criar algum tipo de laço com seus
personagens. Entretanto, felizmente, existe uma parcela de realizadores de
estúdio que não está preocupada somente com questões comerciais. Dean DeBlois,
um dos responsáveis por Como Treinar Seu Dragão, e que agora assume sozinho a
sequência –muito bem vinda, aliás- do filme, é parte dessa parcela. Sem perder
aquela textura simplista do primeiro filme -que continua um dos mais
irretocáveis coming-of-age já feitos-, a sequência de Como Treinar Seu Dragão trás
soluções pouco menos específicas, e se volta agora para um conflito de Soluço
quanto indivíduo em sociedade, e suas responsabilidades diante dela.
Engendrando os conflitos interpessoais do personagem em pinceladas sutis de
tradicionalismo, a direção de DeBlois é feita num piloto automático, na
intenção de deixar que o personagem transite e se relacione com total liberdade
e autoconhecimento. Essa faceta de DeBlois em se conter diante da personalidade
do protagonista poderia soar totalmente relaxada, não fosse a singularidade do
realizador em usar artifícios-arquétipos morais como um recurso estrutural do
mesmo. DeBlois não esconde sua característica classicista, e a ternura de
Soluço e Banguela, desenvolvida irretocavelmente lá no primeiro filme, continua
sendo o elo principal para que o filme se torne inevitavelmente essa peça rara
dentro do nicho. Ademais, existe aqui uma intenção para além da engenhosa metáfora
do título, que reflete aquilo que eu disse no começo, sobre essa inflexão
causada pelos atos brutalmente honestos desses personagens que se tornam a
medida que o acompanhamos esse espelho de sentimentos tão reais. E
só por não manipular minhas emoções com efeitos baratos, Como Treinar Seu Dragão
já tem lugar guardado na minha memória cinéfila.
Como Treinar Seu Dragão 2 (★★★1/2)
Estados Unidos, 2014, 102 min.
De Dean DeBlois
Com Cate Blanchett, Jay Baruchel, Gerard Butler, Jonah Hill, Kristen Wiig